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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

CONTO: Coisas da Vida




Os sinos da pequena igrejinha batiam missa das sete. O Senhor Carlos Ramos de Souza se prepara junto com sua família de sete filhos para a hora da oração. Seguem como em procissão o caminho de casa rumo à pequena igrejinha recém construída. Dona Emília Ramos de Souza junto com os filhos menores seguem seu Carlos e os filhos mais velhos, Mateus e Joaquim.

A rotina da família, aos domingos, sempre seguia o mesmo ritual. Depois do almoço especial de domingo, seguia a preparação para o período da tarde. Seu Carlos, além de Mateus e Joaquim, tinha também Flavinha de seis, Patrícia de cinco, Ricardo de quatro, José Lourenço de três e o menor Paulo Vítor de dois. Família sempre unida pelos dogmas católicos.

Os anos passaram e aumentaram ainda mais a convivência e os laços com os ideais do catolicismo. Flávia, a Flavinha, já moça feita, linda, de olhos verdes, corpo jeitoso e sensual, arrancava suspiros de todos os mancebos da comunidade. Menina de respeito, devotada, era filha do Senhor Carlos, e isso já dizia tudo. Muitos tentaram conquistar o jovem coração da bela moça. Mas todos falharam.

Flávia, mesmo que quisesse se aventurar num amor sem futuro, sofria as restrições de sua mãe, Dona Emília. Os pais sabiam do tesouro que possuíam, e por isso, adotavam a então fiscalização cabresta. O Marquinho, filho de Nhonhoca, se aventurou por estas bandas, e logo desistiu. Na esperança de alguns minutos com a donzela, viu a árdua tarefa que lhe esperava. Abandonou a idéia de se aproximar da Flavinha. Mas, e a Flavinha? O que sentia diante de tudo isso? Seu coraçãozinho não batia por alguém? Não sentia ímpetos de se libertar de todo aquele controle besta de pais ciumentos? Coisas da criação.

Flavinha moça pulsante, bela, sensual e fogosa. Possuía desejos ardentes, iguais aos das donzelas da novela das oito. Tinha fantasias das mais loucas e incríveis. Sentia um desejo errante de se entregar ao seu priminho Vitor, de quatorze anos; moleque bonito, forte e bobo. Não sabia o que fazer caso possuísse todo aquele símbolo de desejo. Mas tudo não passava de apenas desejos, insinuações, esfrega-esfrega. Coisas de adolescentes; mas a libido de Flávia, até então, presa, contida como um animal enjaulado estava prestes a se libertar.

A vida dos Ramos e Souza seguia seu rumo pacato e religioso.

Antonio Correia, chefe de um grupo de evangelização dentro da comunidade, recém chegado do Amazonas, logo se enturmou com as tradicionais famílias da comunidade. Pai de família, casado com dona Celestina, tinha três filhos.

Antonio Correia era o exemplo de devoção e amor ao próximo. Largou todas as suas aspirações no Amazonas para se dedicar à vida religiosa, à evangelização do mais necessitado. A busca de uma transformação social.

A intimidade com os Ramos e Souza foi inevitável. A amizade, a confiança e os vínculos de fraternidade uniram as famílias como se fossem apenas uma. Almoçavam juntos, rezavam juntos, se divertiam juntos. Juntos, passavam a maior parte das horas.

Dona Celestina, mulher prendada, ensinava receitas caseiras de comidas variadas à Dona Emília. Os filhos de Antonio Correia logo fizeram amizade com os de Carlos Ramos. Não demorou muito a surgir suspeitas de namoro entre os mais sisudos. E assim a vida seguia, seguia...

Muitos apertos as famílias passaram juntas. Certa vez, Flavinha ficou doente. Doente de cama. Sem condições nem de levantar. Antonio Correia, enfermeiro de tempos antigos, tomou conta da situação. Resolveu cuidar especialmente da moça. Com muito carinho, aplicava a injeção indesejada no bumbum redondo de Flavinha. Função que só um membro da família, com espírito puro e respeito, poderia desempenhar sem esperança de gozo, muito menos de proveito.

Outra vez, o mesmo Antonio Correia decidiu esperar o termino das orações, que já se iam pelas onze da noite, para dar carona, em sua charrete, para Dona Emília e sua filha Flavinha.

Os anos se passaram.

Seu Carlos Ramos e Dona Emília envelheciam. Envelheciam felizes em suas convicções de vida, naquilo que acreditavam. Em tudo aquilo que tinham feito e construído. Seus filhos bem criados estavam a caminho de um futuro próspero. Estavam bem adiantados em questões de amor. Mateus, considerado o mais feio dos irmãos, tinha uma cabrinha de estimação que não largava nunca. Dizia Maurício Sapão que o ingênuo animal servia aos anseios libidinosos de Mateus, ato nunca comprovado por ninguém. Cada irmão tinha uma história pra contar. Flavinha, a filha mais velha, devota das confianças de Dona Emília, até então, moça acima de qualquer suspeita. Mesmo quando Noca flagrou-a com um cabo de guarda-chuva dentro de suas vergonhas, não mereceu o descrédito de ninguém, até porque ninguém ficou sabendo. A moiçola, de dezenove anos, estava a ponto de receber marido pra casar. Os pais já matutavam pretendentes para encaminhar de vez a filha fértil.

Dona Emília sofria de pressão alta, senhora já de cinqüenta e um anos. Mulher forte e simples. Tomava chá em sua cadeirinha de balanço, quando recebeu a visita do Senhor Antonio Correia.

Expressão grave e pesada. O irmão evangelizador não trazia boas novas...

Após o desabafo de Antonio Correia, Dona Emília deixou a xícara de chá quente cair sob seu colo. O choque da notícia foi mais forte que a quentura do chá feito na hora.

Antonio Correia deixou a velha senhora estática, olhos fixos, sem palavra. A vida tinha se esvaído de seu corpo. Dona Emília tinha sido assassinada...

Dias depois, Flavinha arrumava sua mala com seus pertences. Na mala iam as lembranças de seus dias felizes na casa de seus pais. No bucho a lembrança infeliz do impulso incontrolado com o homem de outra mulher.

Todos ficaram chocados com a traição de Antonio Correia e de Flávia.

Dona Celestina, envergonhada, pegou os filhos e se mandou para o Amazonas.

Seu Carlos Ramos ainda não compreendeu bem o que se passou, e sempre pergunta a Patrícia o destino da filha mais velha.

Dona Emília, porém, faleceu ontem de manhã por desgosto pela perda da filha.

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