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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

GENTILEZA GERA GENTILEZA

O Profeta Gentileza e sua arte de pregação.

No início dos anos 90, antes de completar meus 20 anos, trabalhava no Centro do Rio, próximo à Central do Brasil. Saía todos os dias de casa na Zona Oeste para cumprir expediente num escritório de contabilidade, das 08:00 às 17:30hs, um suplício que ficou marcado na minha vida.
Nessas idas e vindas, sempre encontrava, próximo a um semáforo da Avenida Rio Branco, distribuindo panfletos com letras estranhas e proferindo frases ininteligíveis, o Profeta Gentileza.
Aquela figura pitoresca que mais lembrava o velho Antônio Conselheiro, imortalizado na obra Os Sertões de Euclides da Cunha, chamou-me a atenção ao ponto de suas feições e os seus manuscritos ficarem gravados em minha memória.
Algum tempo depois vim a descobrir que as inscrições em verde e amarelo nas pilastras do viaduto do Caju, onde sobressaíam os dizeres como Gentileza gera Gentileza, tinham como autor o Sr José Datrino, nome de batismo do Profeta Gentileza.
Por acaso, ao ler o livro “O espetáculo mais triste da Terra”, da Companhia das Letras, lançado em 2011, do jornalista Mauro Ventura, descobri como surgiu o Profeta Gentileza.
O livro narra história de uma tragédia, o incêndio do Gran Circo Norte-Americano, armado na cidade de Niterói, então capital do Estado do Rio de Janeiro, em 1961.
O incêndio do Gran Circo Norte-Americano é considerado a maior tragédia circense do mundo até hoje. Morreram mais de 500 pessoas, a maioria crianças.
As causas do incêndio até hoje são controversas. A condenação do principal suspeito, Adilson Marcelino Alves, o Dequinha, não foi suficiente para pôr fim à discussão, pois muitos duvidavam que o incêndio tivesse origem criminosa. Talvez fosse o álibi perfeito para livrar a responsabilidade do dono do circo, Danilo Stevanovich, de um incêndio por curto-circuito, já que ficara comprovada a precariedade das instalações elétricas.
Foi após esse incêndio que ceifou as vidas de centenas de crianças que José Datrino, então proprietário de uma empresa de transportes e morador de Guadalupe, abandonou a família em prol de um chamado divino.

Livro de Mauro Ventura: emocionante.
Após o incêndio o caos se instalou em Niterói. Não havia hospitais suficientes nem para atender a demanda do dia-a-dia, o funcionalismo público municipal estava em greve por atraso nos salários, não havia remédios nem cemitérios para os mortos da catástrofe.
Foi nesse clima de guerra que José Datrino surgia no local do incêndio com seu caminhão, oferecendo palavras de consolo aos parentes dos mortos. Não demorou muito para que ficasse conhecido por toda a cidade. Em todas as suas pregações, a palavra ‘gentileza’ era proferida.
Muitos afirmavam que Datrino era um louco, mas aos poucos, sua presença na região se tornou fundamental para afagar as mágoas daqueles que sofriam pela morte do filho, do irmão, do pai, da mãe.
Isso chamou a atenção da impressa e logo uma legião de repórteres vinha conferir quem era aquela figura estranha, magra, de barba comprida e que se dizia um enviado de Deus.
Segundo o livro, o repórter Saulo Soares de Sousa do jornal “O Fluminense” foi o enviado para cobrir a história daquele personagem que a cada dia se tornava um mito nacional.
Segundo Saulo, ouviu de Gentileza o seguinte discurso:

– És pobre?
– Somos – foi a resposta.
E veio outra pergunta estranha:
–Quais são os brilhantes mais brilhantes dos brilhantes do mundo inteiro?
Não respondemos e ele respondeu por nós:
– São os nossos olhos.
Continuamos esperando outras palavras e ele tornou a perguntar:
– Você troca os seus olhos por 30 caminhões, iguais aos meus, cheios de brilhante?
–Não – foi a nossa resposta.
E o homem completou:
–Então não és pobre, porque os teus olhos valem muito mais.

A partir de sua morte em 1996, o Profeta Gentileza entrou no imaginário popular e vem conquistando uma legião de fãs.
Para saber mais a seu respeito, o Professor da UFF, Leonardo Guelman publicou, em 2008, a obra “Univvverrsso Gentileza”, pela editora Mundo das Ideias.

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