O Profeta Gentileza e sua arte de pregação. |
No
início dos anos 90, antes de completar meus 20 anos, trabalhava no Centro do
Rio, próximo à Central do Brasil. Saía todos os dias de casa na Zona Oeste para
cumprir expediente num escritório de contabilidade, das 08:00 às 17:30hs, um
suplício que ficou marcado na minha vida.
Nessas
idas e vindas, sempre encontrava, próximo a um semáforo da Avenida Rio Branco,
distribuindo panfletos com letras estranhas e proferindo frases ininteligíveis,
o Profeta Gentileza.
Aquela
figura pitoresca que mais lembrava o velho Antônio Conselheiro, imortalizado na
obra Os Sertões de Euclides da Cunha,
chamou-me a atenção ao ponto de suas feições e os seus manuscritos ficarem
gravados em minha memória.
Algum
tempo depois vim a descobrir que as inscrições em verde e amarelo nas pilastras
do viaduto do Caju, onde sobressaíam os dizeres como Gentileza gera Gentileza, tinham como autor o Sr José Datrino, nome
de batismo do Profeta Gentileza.
Por
acaso, ao ler o livro “O espetáculo mais triste da Terra”, da Companhia das
Letras, lançado em 2011, do jornalista Mauro Ventura, descobri como surgiu o
Profeta Gentileza.
O
livro narra história de uma tragédia, o incêndio do Gran Circo Norte-Americano, armado na cidade de Niterói, então
capital do Estado do Rio de Janeiro, em 1961.
O
incêndio do Gran Circo Norte-Americano é considerado a maior tragédia circense
do mundo até hoje. Morreram mais de 500 pessoas, a maioria crianças.
As
causas do incêndio até hoje são controversas. A condenação do principal
suspeito, Adilson Marcelino Alves, o Dequinha, não foi suficiente para pôr fim
à discussão, pois muitos duvidavam que o incêndio tivesse origem criminosa. Talvez
fosse o álibi perfeito para livrar a responsabilidade do dono do circo, Danilo
Stevanovich, de um incêndio por curto-circuito, já que ficara comprovada a precariedade
das instalações elétricas.
Foi
após esse incêndio que ceifou as vidas de centenas de crianças que José Datrino,
então proprietário de uma empresa de transportes e morador de Guadalupe,
abandonou a família em prol de um chamado divino.
Livro de Mauro Ventura: emocionante. |
Após
o incêndio o caos se instalou em Niterói. Não havia hospitais suficientes nem
para atender a demanda do dia-a-dia, o funcionalismo público municipal estava
em greve por atraso nos salários, não havia remédios nem cemitérios para os
mortos da catástrofe.
Foi
nesse clima de guerra que José Datrino surgia no local do incêndio com seu
caminhão, oferecendo palavras de consolo aos parentes dos mortos. Não demorou
muito para que ficasse conhecido por toda a cidade. Em todas as suas pregações,
a palavra ‘gentileza’ era proferida.
Muitos
afirmavam que Datrino era um louco, mas aos poucos, sua presença na região se
tornou fundamental para afagar as mágoas daqueles que sofriam pela morte do
filho, do irmão, do pai, da mãe.
Isso
chamou a atenção da impressa e logo uma legião de repórteres vinha conferir quem
era aquela figura estranha, magra, de barba comprida e que se dizia um enviado
de Deus.
Segundo
o livro, o repórter Saulo Soares de Sousa do jornal “O Fluminense” foi o
enviado para cobrir a história daquele personagem que a cada dia se tornava um
mito nacional.
Segundo
Saulo, ouviu de Gentileza o seguinte discurso:
– És pobre?
– Somos – foi a
resposta.
E veio outra pergunta
estranha:
–Quais são os
brilhantes mais brilhantes dos brilhantes do mundo inteiro?
Não respondemos e ele
respondeu por nós:
– São os nossos olhos.
Continuamos esperando
outras palavras e ele tornou a perguntar:
– Você troca os seus
olhos por 30 caminhões, iguais aos meus, cheios de brilhante?
–Não – foi a nossa
resposta.
E o homem completou:
–Então não és pobre,
porque os teus olhos valem muito mais.
A
partir de sua morte em 1996, o Profeta Gentileza entrou no imaginário popular e
vem conquistando uma legião de fãs.
Para
saber mais a seu respeito, o Professor da UFF, Leonardo Guelman publicou, em
2008, a obra “Univvverrsso Gentileza”, pela editora Mundo das Ideias.
Gentileza gera gentileza.... falou e disse.
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