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sexta-feira, 4 de março de 2011

Espaço Conto: História Pra Boi Dormir

Seu João, o cinquentão, era um típico auxiliar de escritório que trabalhava no Rio Comprido, Rio de Janeiro. Morava em Bangu na zona oeste. E todos os dias, madrugava na estação de trem de Guilherme da Silveira para conseguir um lugarzinho pequenino no trem-lotado-de-cada-dia. Ao fim do expediente, era a mesma rotina, um sofrimento só; trem lotado, evangélicos pregando, tarados sarrando, alguns mal cheirosos e os famosos ambulantes dos trens suburbanos que vendem até veneno pra sogra.
Só que todas as sextas, seu João, o quarentão, tinha destino certo antes de ir pra casa. Numa sexta, como às outras, saiu do escritório muito estressado e resolveu primeiro passar em um supermercado pra comprar alguns biscoitos e outras guloseimas. Ao chegar ao caixa, para pagar as compras, olhou pra mulher atendente que estava fazendo cara de nojo, refletiu e não culpou a sua antipática atitude de funcionária mal paga, pois além desses problemas, imaginou também a sua possível e precária situação social. Talvez a funcionária nem soubesse assinar o seu nome direito, pensou seu João, visto que aparentava ser já de idade. Leitor amigo, não estou discriminado ninguém já que é natural pra uma pessoa de idade se encaixar no perfil anteriormente relatado. Ora, quem nunca escutou o avô ou o tio ou a tia dizendo que em sua época estudar era pra gente de dinheiro? Pois bem, minha caixa de supermercado além de idosa, trabalhava fastidiosamente pra receber no final do mês dois milhões de cruzeiros! Muito zero pra pouco valor não é? Vamos deixar esse lengalenga pra lá. Assim, Seu João, o cinquentão, se sentiu muito bem como funcionário de um escritório de despachantes, já que pra ingressar no mesmo era necessário ter o primeiro grau completo e também ter algum cacoete “de homem de negócios”.
Após pagar sua compra, dirigiu-se a mulher e lhe disse um muito obrigado. A mulher fez uma cara de espantada e com muito esforço respondeu quase imperceptivelmente um tímido ‘de nada’, como se sua boca estivesse fechada por um zíper. Satisfeito, Seu João, aquele mesmo..., o do trem lotado..., o do cheira sovacos... saiu em direção ao Centro da cidade. Pegou um ônibus vazio, já que por volta das dezenove horas a multidão trabalhadora já estava bem longe, nas baixadas, nas zonas mais marginalizadas da cidade, e seguiu pro Centro comendo suas guloseimas. Seu destino..., o bar do barba, uma antiga birosca na rua Marechal Floriano que abrigava diversas personalidades como: bêbados conscientes e muitos artistas recalcados, como alguns poetas de quinta categoria, músicos sem futuro, pintores sem imaginação, etc. No bar do barba, Seu João, o cinquentão, se sentia em casa, pois bebia, bebia e bebia, às vezes até sem dinheiro, mas não havia nenhum problema, pois, “o barba botava no prego”. Quando Seu João chegou, não havia mais lugar nas mesas, estavam cheias de grupinhos que debatiam diversos assuntos relacionados às artes. Como estava sozinho e não ligava pra tomar uma em pé, Seu João, o cinquentão, se acomodou logo encostando à parede. Bebeu a primeira garrafa de cerveja, depois a segunda, na terceira, um sujeito alto, branco, magricela, vestido com calça de tergal cinza, estilo “me dá dinheiro”, com uma camisa social branca, parou a seu lado e puxou conversa:
– Amigo!? todas às vezes que venho aqui, nunca há lugar. Os poetas e músicos da Praça Mauá e do Castelo sempre chegam primeiro!
– Mas você, mora aonde? – perguntou Seu João.
– Moro em Olaria, ou melhor, no morro do cruzeiro – respondeu o desconhecido.
– O que faz você vir de olaria aqui pro bar do barba?
– Pois sou poeta, todas as sextas, quando saio da gráfica, venho correndo pra cá! – respondeu o estranho muito entusiasmado.
– Ah sim! Admiro muito os poetas por isso que venho sempre também pra cá. Mas não me lembro de você em outras sextas? – disse seu João.
– É que eu costumo ficar sentado naquele cantinho ali, tá vendo? Mas eu sempre te vejo chegando e depois eu não vejo mais nada! – respondeu o estranho soltando uma gargalhada estridente.
– Como você se chama? – perguntou já na quarta cerveja o Seu João, o cinquentão.
– Me chamo Joaquim Crispim, mas pode em chamar Crispim.
– Sou João Raimundo Severino da Silva, mas pode me chamar de João, alguns me chamam de João, o cinquentão, pelo fato de eu estar solteiro até hoje!
– Estou observando que você se entristece com isto? – comentou o Crispim, já acompanhando na cerveja o Seu João.
– Não que seja exatamente por isso, mas com as circunstâncias que me impendem! – vociferou abalado o Seu João o........
– Mas o que poderia te impedir de constituir família? És um homem livre, não é?
– O Estado me impede! – bravejou Seu João, já na quinta cerveja.
– Sinceramente meu amigo João não estou entendendo nada, seja um pouco mais claro, por favor?
– Com o salário de fome que recebo como auxiliar de escritório, como vou constituir família? Já que é tradição o homem ganhar mais que as mulheres, além disso, teria que casar com uma mulher que estivesse disposta a trabalhar, coisa que eu não ia gostar, já que também é tradição a mulher ficar em casa tomando conta dos filhos.Você me entendeu agora?
Crispim olhou pro Seu João, o cinquentão, e pediu a sexta garrafa de cerveja ao barba, aliás, que não tinha nenhuma barba. Para o Crispim a cerveja ainda estava muito gostosa e bem gelada. Pro Seu João, o quarentão, já não sentia gosto algum. Alguns minutos de silêncio transcorreram depois do desabafo do Seu João.
– Escuta João, eu não sou a pessoa mais indicada pra te dar conselhos, já que também não sou e nunca fui casado. Sou poeta, boêmio, adoro as paixões repentinas, como também adoro encerrá-las, não porque penso da mesma forma que você, mas por convicção filosófica. Amo a vida, as mulheres, a poesia, a bebida, amo todos os prazeres terrenos, logo nunca irei me casar porque não me vejo preso a nada. Mas acho que as pessoas devem buscar a felicidade de qualquer forma, independente de qualquer empecilho ou dificuldade. Você está me entendendo? – disse Crispim em tom poético ao Seu João, o cinquentão, que ficou cismando com a ajuda das palavras do novo amigo e também com a ajuda da cerveja.
Tentando mudar de assunto e também ajudar o Seu João, Crispim resolveu incentivar o amigo a buscar nessa noite o carinho e o conforto de um colo feminino. Apontou na direção de uma mesa que ficava na sua direita, onde duas mulheres bebiam e conversavam. Uma era morena, de corpo gostoso, lábios grossos, cabelos alisados, vestia uma calça Lee bem apertada, onde se aflorava demasiadamente cada contorno de suas entranhas. Parecia ser gente do samba. A outra era branca queimada de sol, também bem torneada de corpo, mas parecia já de idade, usava uma mini-saia jeans e uma blusinha de alça vermelha. As duas pareciam já estar de porre e percebendo o sucesso da investida, Crispim convidou o Seu João, o cinquentão, a se sentarem à mesa com as mulheres. Seu João ficou um pouco vermelho, denunciando sua completa timidez, mas a cerveja lhe deu coragem para aceitar a investidura, já que em sua concepção, um homem que se preza nunca foge da guerra.
Crispim chegou perto da mesa das duas mulheres e disse quase poeticamente:
– Com licença senhoritas, poderíamos sentar com vocês pra conversarmos um pouco?
Os olhos de Seu João observavam atentamente atrás do corpo de Crispim. A morena fez uma cara de reprovação, mas a branca aceitou instantaneamente abrindo sorrisos e encarando o Seu João, o quarentão. Crispim sentou-se ao lado da morena, escolhendo nitidamente suas intenções. Seu João, o cinquentão, ficou ao lado da branca que o fitava com olhares de peixe morto, revelando suas intenções.
Os quatros se apresentaram; a morena se chamava Andréia, a branca se chamava Dalva. O papo começou e logo foi dirigido a se falar em poesia, incentivado pelo Crispim que tentava impressionar Andréia. Como o Seu João, o cinquentão, nada entendia de poesia, ficou calado demonstrando toda sua ignorância sobre o assunto. Enquanto isso, o garçom não parava, era mais e mais garrafas de cerveja. As horas se passaram e já era tarde da noite, Crispim já tinha desistido de Andréia, Dalva e Seu João tagarelavam coisas indecifráveis, pois já estavam bêbados e somente os bêbados conseguem se entender. Até que Crispim resolveu ir embora, falou alguma coisa ao ouvido do Seu João e saiu cambaleando pela Rua Marechal Floriano em direção à Central do Brasil.
Andréia e Dalva moravam juntas num pequeno apartamento em Piedade, trabalhavam numa empresa de confecção na Rua da Alfândega. Dalva era gaúcha, tinha sido expulsa de casa por vadiagem. Andréia era do Rio, da favela da Rocinha, também saiu de casa por desavenças com o pai. Às quatro da manhã, as duas resolveram ir embora, mas o estado de embriaguez do Seu João, o cinquentão, era lastimoso. Em certo momento começou a desabafar todos os problemas de sua vida, à procura de uma mulher pra se casar; o baixíssimo salário; o trem lotado; a funcionária do supermercado, fez também uma declaração de amor para Dalva. Apesar de também estar em outra dimensão, Dalva ainda queria conhecer melhor o Seu João e aconselhou Andréia a aceitar a idéia de levá-lo pra casa.
Assim, Seu João passou o restinho da noite em companhia de Dalva. A partir desse dia, os dois viraram namorados. Dalva, ao sair do trabalho, sempre esperava na estação de trem da Central do Brasil o Seu João, o cinquentão, que vinha do Rio Comprido de trem parador numa tranqüilidade só. Os dois passaram a morar juntos na casa de Dalva, em Piedade, pois a possibilidade de morar em Bangu foi logo descartada pelo Seu João, pois já visualizava sua mulher no trem-lotado-de-cada-dia, cheio até o teto, escutando as pregações contra o inferno, cheirando sovacos, sendo sarrada por algum maníaco, e comprando bananada de mil cruzeiros.
Caro leitor, diante dessa repentina mudança na vida de Seu João, o cinquentão, podemos, agora, deixar de lado o apelido de ‘cinquentão’, pois mesmo sem papel passado, já estava praticamente casado com Dalva. Mesmo ganhado menos que Dalva, Seu João contentou-se com a situação, até porque, as despesas da casa eram rachadas meio a meio, sobrando, assim, um pouco pra cerveja.
Agora que está praticamente consolidada mais um final feliz na novela da vida, um leitor mais exigente poderia perguntar a si mesmo, que fim levou Andréia e o Crispim. Andréia ao saber da união de Dalva com o Seu João, que na época ainda era o cinquentão, ficou irada da vida e resolveu abandonar a amiga; foi morar no morro da mangueira, bem próximo onde morava em Piedade. Já o Crispim nunca mais teve contato com Seu João, mas continuou a freqüentar todas as sextas o famoso bar do barba, sempre com aquelas idéias de aproveitar a vida, isto é, mais valendo o que se pensa em detrimento do que você aparenta ser.
Bem, já até poderia encerrar essa história pra boi dormir, mas existem coisas que só a novela da globo é capaz de realizar e fazer acreditar, um final feliz.
Passados alguns anos, a vida de Seu João e Dalva começou a se arrastar. Seu João bebia mais do que antes, e até, às vezes, agredia Dalva. Os dois não se encontravam mais na Central do Brasil, no horário do rush. Dalva chegava em casa todos os dias bem tarde da noite, dizendo estar fazendo serão. Seu João desconfiava da mulher, mas não tinha nenhuma prova. Até que resolveram se separar, cada um foi pro seu lado e assim a vida continuou......

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