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domingo, 18 de julho de 2010

Espaço Literatura: A Via Expressa


Espremido em minha torre particular, cubículo frio e opressor, fruto da evolução burguesa modernista, fico a observar o mundo que me cerca. Mundo que vai e vem numa dinâmica atordoante. Objetos velozes, lentos, das mais variadas formas e cores. Fortes e fracos, como a armadura de um cavalheiro medieval e a fina pele do consumidor sem coração. São blindados que protegem carne e vaidades, interesses e sonhos, negócios e prazeres. Mundo que se transforma com o andar demorado dos segundos; mesmo que seja na mudança de um corpo de um lugar para o outro. Qualquer que seja a mudança haverá transformação, como de uma expressão severa e triste, a qualquer momento, se tornando numa expressão alegre e humana. Haverá sim transformação e sempre haverá mudança em nosso meio, mesmo que sejam as velhas e já conhecidas, que de tão esquecidas se tornam novas..., novinhas, como as músicas românticas que nunca mudam de assunto.
Continuo aqui em meu reino estático, egoísta e mesquinho, fico a imaginar quantos reinos, quantas particularidades egoístas vão e vem sem parar. Centenas..., milhares de vidas que de tão diferentes umas das outras, acabam exprimindo o mesmo sentimento único, o de querer o que sentem. Mudam-se somente as pessoas, os sentimentos são os mesmos – ou haverá alguém na face da terra que sente coisa diferente nunca antes sentida? –, características de nós seres humanos, que aos milhares, somos apenas um só.
Sob sol e chuva, dia e noite, a via única não se cansa. É a artéria que conduz o sangue, fonte da energia, que faz o corpo se movimentar, como a transformação da cidade, a cada instante. Os interesses vão e voltam, os mesmos direi sempre; nada diferente, apesar da dinâmica visual enganadora. Pobre de nossos olhos que vêem coisas que não são verdadeiramente reais, vêem a roupa nova da marca burguesa, como a linda face da mulher artificial ou natural, tanto faz! Vêem apenas o que é visível, como crianças a observar o teatro de marionetes, sem saberem o que se esconde por trás das cortinas. Assim é a vida. Por detrás da pele e por detrás dos ossos existe algo que não sabemos o que realmente é; e nunca saberemos, pois somente acreditamos naquilo que diz os nossos olhos: se somos isto, ou aquilo, o que realmente queremos na vida, ou pra ser sincero, o que representamos nesse mundo sombrio e dinâmico de coisas que vão e vêm.
O cansaço já toma meu corpo. O cansaço de observar os milhares e milhares de objetos de tamanhos e cores diferentes, mas todos com o mesmo objetivo em comum, futilidades! As mesmas que fazem da cidade o que ela é hoje, monstruosa, traiçoeira, consumista e grande.
Aguardo a revolta da via expressa, como um infarto de última hora. Deixará de passar nela a sêde de consumo, os interesses de falso amor ou então os interesses diversos que impulsionam o ato de movimentar-se. Aguardarei sem forças pra me mover, pois estou preso nessa mesma rede que faz de mim, milhares de ‘eus’, todos iguais...
Ficaria surpreso, depois da xícara quente de café sem marca, observar um objeto de movimentação diferente daqueles que passavam pela via expressa. Movimentação sem direção certa, sem velocidade marcada, sem estrutura definida, sem mercadoria, sem falsos desejos, sem futilidades! Tudo seria novo. Inédito na vida das pessoas. Passaria pela via expressa sentimentos de amor e sinceridade, ajuda aos mais necessitados ao invés do olhar nas vitrinas; o caminhão baú repleto de quinquilharias seria transformado num mundo verdadeiro e silencioso, mas seria um mundo que não viveria o humano, viveria algo diferente, algo sem matéria, sem pele, sem osso, só haveria sentimentos que não seriam coados pelo filtro humano da cobiça, mas se expressariam por si mesmos.
Acho que por hoje pensei demais, estou muito cansado, vou tomar mais uma xícara de café e dormir...

(Silfra Doval, Taubaté, 22 de julho de 2005).

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