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quarta-feira, 21 de março de 2012

O MUNDO DO "SE", POR MARCOS CAETANO

Em abril de 2010, João Gabriel de Lima organizou e publicou o Livro de contos e crônicas: Bravo! Literatura e Futebol, pela editora Abril.
A obra é um apanhado dos melhores contos e crônicas a respeito do mundo do futebol. Entre os autores estão José Lins do Rego, Luís Fernando Veríssimo, Ferreira Gullar, Antônio de Alcântara Machado, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues, João Cabral de Melo Neto, entre outros. Portanto, nomes de peso, consagrados na Literatura Brasileira.
Além da seleção dos melhores textos sobre futebol, 18 ao todo, o livro conta com uma seleção de fotos que retratam o universo do futebol, desde a pelada no campo esburacado, até momentos inesquecíveis, como a derrota do Brasil para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950, no Maracanã.
Entre as crônicas e contos selecionados, destaco hoje aqui no Blog a crônica do jornalista Marcos Caetano, “O que poderia ter sido”, que foi originalmente publicada nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, em 2010. “O que poderia ter sido” foi escrito de uma forma bem inteligente, com palavras certas que retratam aqueles casos que nunca aconteceram na vida real, mas que poderiam ter acontecido e não aconteceram por alguma peripécia, seja do destino ou de algum personagem, numa grande decisão de campeonato ou em qualquer outra situação.
É o mundo da condicional “Se”, que na concepção de Marcos Caetano, talvez, exista um universo paralelo onde todos aqueles fatos que não ocorreram na vida real, seja por quaisquer motivos, existam num mundo do faz-de-conta e da fantasia: “Se o Botafogo não tivesse perdido em casa a Copa do Brasil 1999, num Maracanã com mais de 100.000 botafoguenses”, “Se o Presidente Tancredo Neves não tivesse falecido logo depois de sua posse...”, “Se o Brasil não tivesse perdido para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950...”, e assim por diante.
Reproduzo abaixo a belíssima crônica de Marcos Caetano:

O QUE PODERIA TER SIDO

Não é a primeira vez que insisto sobre isso, mas a pergunta, um tanto metafísica, confesso, ainda me inquieta. Para onde vão as coisas que poderiam ter sido, mas não foram? Haverá uma dimensão paralela, uma cidade perdida, um reino do faz-de-conta ou um lugar assim, onde o que quase aconteceu possa finalmente existir em paz, longe da frieza dos historiadores e das estatísticas?
Talvez por conta do ofício de cronista, imagino que exista uma esquina do universo, uma transversal do tempo, onde Deus guarda – talvez apenas para deleite particular – os fatos que estiveram a um passo de existir no mundo concreto, e que por um capricho qualquer não vingaram. Lá devem repousar as glórias que teriam chegado às páginas dos jornais e aos livros de história, registradas para sempre com cores de verdade – e não com as tintas da nossa imaginação –, não fosse por uma palavra, uma singela condicional, que esconde sua força descomunal por trás de duas letrinhas: se. Os mais antigos diziam que se ‘se’ jogasse, ‘se’ seria artilheiro. É uma frase divertida – até porque começa justamente com a tal condicional –, mas discordo dela. Discordo e digo mais: ‘se’ joga sim, e joga uma barbaridade. Ao menos nas minhas crônicas, sempre haverá lugar para um ‘se’ artilheiro, para um ‘se’ campeão. Nos meus textos, o herói da semana sempre poderá ser um ‘se’. Um ‘se’ ou um de seus irmãos fraternos: o ‘talvez’, o ‘quem sabe’, o ‘por que não?’, ou outros menos votados.
Onde foram parar alguns momentos mágicos do esporte, tantas vezes pressentidos, sem jamais terem sido vividos? Por exemplo, onde estará guardada a medalha olímpica de ouro do nosso João do Pulo, roubada por árbitros de atletismo soviéticos, ou mesmo a nossa inédita medalha dourada do futebol? Qual terá sido o destino da rajada de vento que desviaria a bola que atingiu o olho de Tostão, permitindo que ele desfilasse sua classe mais duas copas? Onde andarão os fiscais de pista capazes de evitar o acidente de Ayrton Senna, que hoje, aos 50 anos, seria detentor de todos os recordes da Fórmula 1? E o piloto que conseguiria evitar a queda do avião com o glorioso time do Torino, base da Squadra Azurra, provável primeira tetracampeã do mundo?
Em que lugar poderemos ver o brilhante Atlético Mineiro, campeão brasileiro de 1977? Talvez ao lado da Máquina do Flu, de Carlos Alberto, Paulo César, Doval e Rivelino – que não perdeu nos pênaltis aquela semifinal com o Corinthians e fez, contra o Internacional de Falcão, Caçapava e Figueroa a maior decisão da história dos brasileirões. Que fim levaram os títulos de times inesquecíveis como a Ponte Preta e o Cruzeiro dos anos 70, o São Caetano da virada do milênio, o Bangu dos anos 80, o América dos anos 60, a Hungria de 54, a Holanda de 74 e a França de 86? As inesquecíveis atuações de Pelé na copa de 74 e de Romário nas duas últimas olimpíadas e na Copa de 2002, onde andarão? Será que ao lado do milésimo gol do craque, marcado no Maracanã em cima do Flamengo, numa bola que o goleiro Bruno não salvou com os pés? E, por Deus, onde estarão guardados os campeonatos da Seleção Brasileira de 50 e 82 e a Jules Rimet, que escapou de ser derretida?
Eu poderia escrever mil colunas com histórias assim, mas encerremos por aqui esse inventário sentimental das glórias que não chegaram. Pensando bem, esses momentos só foram mágicos porque foram apenas ‘quase’. O Brasil não seria o mesmo sem a derrota na Copa de 50 – que o garoto Pelé, diante das lágrimas do pai, jurou vingar e vingou, anos mais tarde. O que eu queria dizer ao amigo leitor é que, se existir esse tal lugar onde os sonhos não desaparecem, é exatamente para lá que eu gostaria de ir, quando a minha hora chegar.


Marcos Caetano é colunista de O Estado de São Paulo e do Jornal do Brasil. Também trabalha como comentarista dos canais ESPN e escreve textos de humor para a revista Piauí.

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