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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Espaço Conto: As máquinas caça-níqueis


Arilson trabalhava vendendo balas e doces em porta de colégio, pois não tinha emprego fixo. O que conseguia dava pelo menos pra comprar a cesta básica do mês, quando não faltava dinheiro inexplicavelmente. Fumava, bebia, vícios de gente comum, mas quando não se tem renda fixa, pode levar a falta de comida na dispensa limitada. Apesar de ganhar pouco e sustentar os vícios humanos do mundo, Arilson não se continha quando avistava uma máquina caça níqueis, aquelas dos desprezíveis mafiosos que controlam os bolsos dos miseráveis ingênuos do Rio de Janeiro.
O bar da Elisabete, bar festeiro das sextas e sábados, as atendentes decotudas, o som nas alturas, a boa cerveja gelada e as malditas máquinas caça-níqueis fazem do ambiente o ideal para os farristas sem demais exigências.
Arilson, nas sextas ao fim de tarde, estacionava não o seu carro, mas a sua carrocinha de balas e doces e pedia a primeira da noite sem fim. Bebia, fumava, piscava para dona do estabelecimento e sem a mínima consciência jogava todo o dinheiro ganho do dia nas máquinas que diziam pagar bem. Achava ser um homem de sorte, e mais que isso, esperto e corajoso.
O exemplo de Arilson era apenas a repetição de outros tristes exemplos. Conheci, também, um cara chamado Luís caju, sujeito negro que parecia azul. Esse tal de Luís caju chegou, num sábado de festa, no bar dizendo que iria quebrar a banca, trazia consigo algo em torno de duzentos reais, muito dinheiro para quem trabalha como servente de pedreiro. Começou a jogar e a ganhar, a cada vitória triplicava as apostas e até quadruplicava com a arrogância dos espertos e, ao mesmo tempo, a inocência dos bobos. No fim, o pobre coitado após curtir momentos de esperteza e supremacia estava liso, sem um tostão no bolso, e pra piorar a situação, devendo a Elisabete.
Outro dia, chegou um sujeito estranho, cara de bandido, jogou cinqüentinha e perdeu logo. Furioso e sem dinheiro, o sujeito levantou a máquina e pôs de ponta cabeça, caíram muitas moedas, até a mais que tinha perdido. Rapou tudo e caiu fora, mas pra seu azar, Zé goela doce, cachaceiro oriundo da Cidade de Deus, reconheceu o salafrário. Noutro dia, dizem os freqüentadores do bar que presenciaram o fato, o malandro não existia mais. Numa tocaia, fora crivado de balas pelas bandas de Vargem Grande.
Existem, também, os verdadeiros espertos, aqueles que conhecem a máquina como a palma da mão, após muito dinheiro deixado. Esse era o caso de Otavinho de Assis. Sem família, já há muito tempo deixada, boêmio, trabalhador e jogador profissional calado. Conhecedor do momento certo, gastava de início seus poucos reais em bebida e música, principalmente em música; a boa e velha máquina de música, aquela dos clássicos aos mais degradantes estilos musicais. No momento certo, de desistência explícita, lá ia Otavinho, pouco dinheiro, jogava certo no da vez e lá tirava a boa soma para a noite sem fim. Muitos já esperavam a performace de Otavinho, de bocas abertas, esperavam apenas um vacilo para copiá-lo em busca dos níqueis salvadores.
Numa bela noite de dezembro, calor do Rio, a cerveja, o samba, as mulheres, a poesia cachaceira, lá estava Otavinho; camisa florida, boné branco limpinho, calça preta bem passada. A máquina de som, bem alta, tocava Vinícius. Muitos malandros com dinheiro se acotovelavam nas máquinas para especularem a aposta certa. As horas passam, as máquinas engolem, engolem, engolem muitos centavos; os bolsos esvaziam. Otavinho, cheio de cerveja, vercejava coisas belas em tom de alegria. Elisabete, mulher da noite e festeira, abria os dentes esburacados prenunciando o lucro da noite do boêmio. E lá ia o malandro, os poucos centavos era riso de alguns, já para outros, já sabendo do acontecer era motivo de aflição. Retirava o que a máquina podia pagar, quase a metade do que todos tinham perdido. Foi ai que um malandro de fora, achando que tinha sido enrolado, sacou uma arma e mandou Otavinho entregar os níqueis ganhos. Com a cabeça festeira em sua casa de alegria, Otavinho achou engraçado, mas somente tomou consciência quando era carregado pra ambulância na direção do Rocha Faria. Faleceu, duas horas depois, tomou dois tiros no peito. O malandro, pobre coitado, recolheu como um animal os níqueis do chão – que cena! –. Desprezo total pela vida alheia, coisa estranha. O saldo da morte tinha sido em torno de trezentos reais, muito pouco pela vida de uma pessoa que tinha muito a ensinar, a manha de vencer as malditas máquinas caça-níqueis.

Contos de Botequim - Silfra Doval, Taubaté, 17 de setembro de 2005 -

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