Sejam Bem-Vindos!

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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

CONTO: EM BUSCA DA FELICIDADE

A vida de Paulo Santos era uma vidinha comum. Casado com Maria das Dores há 25 anos, conhecera-a quando tinha seus 19 aninhos, na flor da idade; ele, com 20 anos, estudante secundário, estava prestes a terminar o curso de edificações; ela, atrasada nos estudos, mal completara o ensino fundamental. Dessa união, que fora feitas às pressas, pois Paulo havia bolinado na moça e bolinou antes de estar autorizado a bolinar, resultando na preenhice da menina, que de tão magrinha, a barriga de um mês parecia já estar com três.
Casaram de papel passado. Depois do primeiro filho, vieram mais quatro; todos homens, para orgulho da macheza e virilidade de Paulo Santos.
O início foi barra. Paulo ganhava pouco, muito pouco. Viveu por algum tempo na casa da sogra (As sogras... O que seria do mundo se não fossem elas!), mas depois, muito depois, há exatos quinzes anos, conseguiu financiar uma casa popular nos cantos de Caxias.
Das Dores, que vivia para os filhos, engordou. Engordou muito. Ficou feia, sem assunto. Além da feiúra proveniente da gordura e da ignorância, Das Dores tinha um péssimo hábito, já há muito tempo não sabia o que era sexo, nem tinha interesse no assunto; na linguagem popular, usada para homens impotentes, estava brocha.
Depois dos quatro filhos, a união carnal dos dois findou. Às vezes, Paulo Santos chegava em casa bêbado e arriscava carícias na mulher esparramada. Além de receber um carão bem grande, Paulo Santos voltava a si, a sua realidade. Logo percebia que se durante o dia Das Dores era a mãe de seus filhos, à noite, era um ser assexuado. Era apenas um amontoado de banha disforme, cujo sexo cabeludo e mal tratado só servia para fazer xixi, nada mais.
Apesar da ausência fundamental do sexo, Paulo Santos relutava. Afinal, tinha quatro filhos. Gabriel, o mais velho, já estava com seus vinte e cinco anos, mesmo ainda não sendo independente, já era homem feito. Se precisasse deixar o lar, não teria problema quanto a isso. Mas Henrique, o mais novo, tinha seis anos. Tão novinho, coitado. Seria um crime largá-lo a sua própria sorte. Não o faria, mesmo que para isso fosse necessário viver mais dez anos com Das Dores... dez anos sem sexo, uma eternidade.
Paulo Santos trabalhava o dia todo no escritório de uma empresa de engenharia. Ganhava pouco. No dia seguinte após a tentativa frustrada de se ter com a mulher, cismou o dia todo sobre o assunto. Pensou tanto que, às vezes, era surpreendido pelos amigos falando sozinho:

– Eu tô lascado com aquela mulher. Faz tempo que não sei o que é foder e, além disso, a bicha nem me faz carinho.

A angústia de Paulo Santos era legítima, para não dizer compreensível. Se pudesse voltar ao passado não casaria, não teria filhos. Viveria sozinho. Poderia namorar quem quisesse. Comeria uma aqui, outra ali, sem dar satisfação. Mas ele era casado e também tinha os filhos, seus amados filhos. O que fazer?
Viver por viver e esconder suas aflições não era o melhor caminho. Uma vez, quase socou a mulher que o surpreendeu na maior saliência com seu pinto na frente do computador. Das Dores falou tanta besteira, tanta besteira que Paulo Santos a empurrou para bem longe. Sua ira parecia que iria estourar os limites da loucura. Imaginou-a morta de tanto apanhar; os olhos inchados, o sangue pelo canto da boca, o vestido rasgado, o sexo feio e cabeludo a amostra. Mas recuou. Baixou a cabeça e se trancou no quarto. Não queria que a mulher o visse chorar...

– Mulher que não chega junto, pelo menos, tem que ser boa em outra coisa – Disse Alonso, o melhor amigo de Paulo Santos.

Paulo Santos não teve coragem de dizer que era a sua mulher que não dava mais no couro, apenas inventou uma história qualquer para saber o que Alonso achava.

– Caso não tenha nada de bom, não presta pra ter homem – findou o amigo seu pensamento.

Quanto mais Paulo pensava na melhor maneira de resolver seu problema, mais dúvidas surgiam. Mais angustiado ficava.
Não era só falta de sexo que atormentava nossa personagem, mas falta de tudo de bom que uma mulher pudesse dar; carinho, sexo, conforto, motivação. Aliás, pensou nas únicas coisas que Das Dores havia lhe dado: os filhos e aborrecimentos.
Foi tomar um cafezinho na copa do escritório. Colocou o café na xícara, adoçou com muito açúcar e parou pra observar as funcionárias que trabalhavam na repartição. Eram quatro. Todas bonitas. As mesas das meninas davam pra frente da copa e descuidadamente observou que uma das mesas, aliás, a mesa de dona Cristina, tinha uma abertura frontal que dava pra ver as suas belas coxas, bem como uma calcinha branca de renda, denotando um enorme capô de fusca. Paulo ficou vermelho, angustiado, mas antes de tudo, muito excitado. Pensou no trambolho de mulher que tinha em casa. Pensou no sexo engiado e cabeludo de Das Dores. Lembrou da cara amassada e gorda ao acordar, lembrou do seu mau hálito. Nada lembrava a miragem celestial de dona Cristina e sua calcinha branca de renda... Ah! E as coxas! Delícia!
A cena foi das mais picantes para Paulo Santos, nunca pensara que pudesse voltar aos seus dias de menino... Lembrou um dia, quando estava na escola, na sala de aula: uma coleguinha sua, que se chamava Cristiane, abriu sem querer suas longas pernas (sim... Cristiane era alta, magra, branca...), mas a visão de Paulo não foi a esperada. Cristiane estava de saia e ao abrir as pernas deu mostras a um short amarelo, grande, mas que denunciava as curvas de sua racha. Só isso bastou ao pequeno Paulo Santos para que seguisse, no intervalo da aula, ao banheiro, descarregar a energia do amor contida dentro de si.
Disfarçou o olhar. Completou a xícara com mais café, mas esqueceu de adoçar. O doce da visão da calcinha branca já bastava pra deixar seu dia mais gostoso, inesquecível.
D. Cristina não era inocente, nem pensar santa. Já há muito sabia da abertura da mesa e, quase sempre, vinha de saia curta, de propósito, só para excitar o Joaquim, o boy do escritório, freqüentador antigo da copa e, talvez, detentor dos olhos mais mal intencionados do escritório.
Ela percebeu o interesse de Paulo, mas como sempre fingiu-se de distraída. Estava atarefada...
Mas, de repente, ela resolveu brincar. Olhou de chofre para os olhos de Paulo que foram pegos distraídos, encantados com a calcinha branca de renda. Ela abriu um sorrisinho malvado, cruzou as pernas e virou-se de lado. Começou a datilografar uma carta. Era o fim do show.
Paulo voltou a si. Pôs a xícara na copa e voltou para a sua mesa de trabalho. Ficou o dia todo a pensar na mulher e na calcinha branca de D. Cristina.
Depois do trabalho, antes de pegar o ônibus para Caxias, resolveu tomar uma no bar do Feijão. Pediu cerveja, um pacote de amendoim (ele adora amendoim sem casca, salgadinho) e passou a observar o movimento do bar: as mesas estavam todas ocupadas; numa, se via um casal bem aparentado, o homem vestia blazer preto com uma camisa de malha por baixo, a mulher estava de jeans, tinha um corpo maravilhoso e conversavam animadoramente, bem juntinhos; em outra, um sujeito feio e magro bebia uma cachaça e falava sozinho, pelo jeito estava bêbado; noutra um grupo de amigos discutia a rodada do futebol, viam-se ao lado três engradados de cerveja, já haviam bebido dois e estavam na maior algazarra. Pegou um cigarro do bolso, riscou o fósforo e o acendeu. Balançou o palito de fósforo para que as chamas se apagassem e voltou a pensar em sua desgraçada vida. O que fazer? Um vazio bem grande consumia seu corpo. Não era só de sexo que vivia um homem. Esperava muita coisa de Das Dores, mas pelo jeito, a Das Dores dos seus sonhos nunca existirá, muito menos existiu. Bebeu uma, duas..., seis..., quinze garrafas de cerveja! Já partia pra a décima sexta, até que lembrou do ônibus, já era tarde, se não fosse logo, não teria como voltar pra Caxias. Pagou a conta e se mandou cambaleando pelas ruas do Centro do Rio.
Chegou em casa tarde e bêbado. Das Dores estava acordada, preparava-lhe o sermão:

– Cê não tem vergonha, não! Um ôme casado chegar nessas horas e nesse estado.

Respondeu com muito ódio:

– Vai-te a puta que pariu. Me deixa em paz!

– Além disso, qué tê razão, veja só!

Paulo Santos tomou um banho rápido. Não jantou. Foi dormir no sofá da sala. Dormiu bem, como uma pedra (pedra dorme? As pessoas têm a mania de comparar um sono forte com o da pedra, por que será?). Não sentiu as banhas de sua mulher. Ao acordar, não presenciou seu hálito de dentes estragados. Apenas levantou cedo. Tomou banho. Fez café e bebeu um gole num copo americano. Foi pro trabalho.
Paulo chegou ao escritório com novos ares. Depois da visão celestial da calcinha branca de renda, não se agüentava, queria ver novamente. D. Cristina estava no mesmo lugar, com outra saia, tão curta quanto a que vestia da última vez. Paulo pôs o café na xícara, adoçou e bem lentamente apreciou por debaixo da mesa: e lá estava; outra calcinha pequenininha de renda, só que desta vez vermelha.
Paulo percebeu o olhar malicioso de D. Cristina, mas não quis seguir em frente. Em seguida foi pro banheiro. Fez o que tinha que fazer e voltou a trabalhar. No fim do expediente, saiu e foi novamente ao bar do Feijão. Bebeu muito. Perdeu o ônibus pra Caxias, também perdeu a cabeça. Não foi pra casa. A mulher ficou desesperada, afinal o que tinha acontecido com o marido?
Noutro dia, após cumprir o expediente, chegou em casa cedo. Arrumou as malas e partiu sem dizer nada.
Paulo Santos conseguiu vaga numa pensão barata no Santo Cristo. O lugar era detestável; seus vizinhos eram putas, malandros do ganho eventual e funcionários medíocres do comércio. Não tinha escolha. Aliás, achou o lugar perfeito para reconstruir sua vida.
Os primeiros dias foram terríveis. Se agora Paulo Santos estava livre para ser feliz e encontrar a mulher que lhe pudesse dar tudo aquilo que Das Dores não lhe dava, por outro lado, tinha saudades da comida de Das Dores, da sua rotina do lar sadio, até porque, a única infelicidade que existia em seu lar, dizia respeito somente a ele. Talvez Das Dores fosse feliz, Mas ele, Paulo Santos, não era. O problema residia em seus pensamentos, no seu ego. Por que, então, ficar arrependido? Se voltasse, seria uma derrota das mais humilhantes. Não podia, já tinha feito, já tinha saído de casa. E a pensão dos filhos e de Das Dores? Isso Paulo Santos não queria pensar no momento. Deixaria para outro dia, outra ocasião.
Na sua nova rotina, conheceu Joana, menina de 16 anos, puta desde os doze; Morena, magra, cabelos lisos como Iracema, tinha uma bunda de deixar queixos caídos e um par de seios pequenos e duros. Paulo Santos a conheceu na pensão. Foi num dia de retorno do trabalho. Passou no bar do Catarino, trouxe meia dúzia de cervejas numa sacola de mercado e quando estava por abrir a porta do quarto, mirou a morena que acabava de cumprir um programa com o vizinho de Paulo.

– Boa noite, princesa.

– Boa noite, gatinho. Quer fazer um programinha?

– Deixa pra outro dia. Tô sem dinheiro, mas deixa seu telefone.

– Toma meu cartão. Aí tem meu número e meu e-mail. Faço tudo, tá. Cobro baratinho, neném.

A voz, a ousadia, o olhar malicioso, a roupa que a deixava mais gostosa maltratavam os instintos de Paulo Santos; tão necessitado, tão mal amado... tão ingênuo.
Bebeu as cervejas e pensou na morena. Foi a primeira vez, desde que deixou o lar familiar, que Paulo Santos não pensou nos filhos, muito menos em Das Dores...
Meses depois de abandonar o lar, Paulo recebia na pensão uma intimação da Vara de Família para comparecer em juízo. Como descobriram seu paradeiro, foi um grande mistério. Tudo aquilo era o início do preço da liberdade... E saiu tão caro...
Na vida amorosa, nada tinha mudado. Vivia só e podia fazer programa com quem quisesse, mas tudo aquilo estava cansando Paulo Santos. Ele queria um novo lar, uma nova mulher, uma nova vida.
Joana vinha sempre as sextas à noite satisfazer seu cliente amoroso. Mas, numa sexta de muito calor e tumultos por toda a cidade, Joana encontrou Paulo Santos completamente bêbado, insuportável. Paulo queria fazer tudo aquilo que não tinha feito até hoje com o corpo de Joana, mas a moça fez-se de durona e os dois acabaram se pegando.
Depois dos visinhos apartarem a refrega, Joana foi embora com um olho roxo e com vários hematomas por todo o corpo. Jurou que ia à delegacia dar queixa, mas deixou de lado e resolveu se queixar com Julim Perneta, marginal da área e cliente dos sábados da morena.
Passaram-se algumas semanas do episódio. Paulo voltou a sua vida de trabalho. Atormentado com a pensão de Das Dores, pois quase todo o seu salário estava com a ex-mulher e os seus filhos pequenos, nada mais que justo, mas, agora, vinha o medo da represália de Julim Perneta. Foi Catarino, dono da birosca da esquina, quem mandou a letra. Julim Perneta gostava de avisar antes aos seus perseguidos.
Três semanas se passaram desde o aviso de Catarino. Paulo resolveu se mudar dali. Estava com muito medo. Mas quando se preparava para deixar a pensão, dois bandidos armados de fuzis invadem seu quarto enchem-no de coronhadas. Paulo Santos é levado até a boca-de-fumo de Julim. Lá, foi torturado, espancado e teve sua genitália cortada! Antes de tudo acontecer, Paulo lembrou dos filhos, do nascimento de cada um, dos momentos felizes com Das Dores, da sua vida, da sua separação. Bateu um arrependimento de tudo. Queria pagar por suas faltas. Queria morrer. Se fosse ali mesmo, que se foda. Tinha chegado a sua hora. Antes de morrer disse a Julim:

– Meus cinco filhos vão sentir minha falta. Das Dores também vai sentir, mas eu mereço o castigo.

Noutro dia, um corpo de um homem desconhecido jazia no meio da favela. Muita gente a observar. Estava nu, todo ensangüentado, com o pênis decepado. Uns diziam que era um bandido de outra favela, outros afirmavam que era polícia, porém, Catarino, ao chegar ao local, disse que era Paulo Santos, um trabalhador recém-separado da família... Pobre diabo. Que Deus o tenha.

FIM

(Silfra Doval – novembro de 2011)

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