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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CONTO: O Fim do Negro Antônio Bauduíno

Sônia levantou o corpo branco, nu e esguio; os seios arredondados do tamanho sem exageros e com bicos que, davam a indicação de prazer total, seduziam bocas sedentas que murmuravam gozos. A bunda grande e redonda era o esplendor em formosura, veludo dos mais caros, dos mais apetitosos..., uma obra de arte.
A trepada com o negro Antônio Bauduíno, seu companheiro de trabalho no posto de gasolina, fora maravilhosa. Nunca trepara assim antes. Foram mais de duas horas de carícias, de mordidas, de penetrações em posições diversas, num ritmo incessante, frenético. A intensidade fora obra do negro, enquanto a criatividade fora exclusivamente sua, pois Sônia era mulher amante, destruidora de lares, arrebentadora de corações ingênuos, sabia quase todas as posições do kamasutra. O negro, porém, não queria saber dessas coisas, a sua especialidade consistia na força, na resistência, no jorro forte do seu prazer animalesco. Os dois se amaram naquela noite quente de sexta-feira no Rio de Janeiro, noite com muitas estrelas que premeditavam na manhã seguinte um dia de muito sol, um convite a um banho de mar, um convite a mais um prazer.
Assim como Antônio Bauduíno, Sônia trabalhava num posto de gasolina em Campo Grande, era caixa. Morava em Bangu e vinha todos os dias de carro com o namorado, um tal de Janjão. Diziam por aí que era miliciano, mas antes de tudo soldado de polícia. Chegava às seis, tomava café com os demais funcionários e assumia o caixa do loja de conveniência.
Bauduíno, ou melhor, Baudo, como o conheciam, também chegava às seis, isto é, assim era o combinado com o patrão, mas quase todos os dias chagava atrasado e sempre tinha uma desculpa qualquer; a avó morreu, levou a mãe para o hospital, amanheceu com caganeira, estava doente... Todos sabiam que Baudo não tinha família no Rio e que suas desculpas eram a prova de noitadas com poucas, ou até mesmo, nenhuma hora de sono.
O ofício de Bauduíno era abastecer os tanques dos carros, era frentista. Gostava de trabalhar na bomba mais próxima da loja, tudo para ficar mais próximo de Sônia e, de quando em vez, dar umas piscadelas para a branca. O seu melhor momento consistia no pagamento em cartão de crédito pelos clientes, pois assim entrava na loja de conveniência e entregava o cartão à Sônia. Nesse curto momento, Baldo fazia galanteios, dizia coisas picantes, fazia pilhérias inocentes, piscava, mandava beijos, mas tudo do seu jeito tosco de homem bruto de pouca instrução, mas que para as mulheres, talvez, fosse o sonho ideal para uma fêmea sedenta de prazer.
Sônia, porém, não dava confiança. Todos sabiam de seu namorado e diziam que ele era ciumento e, às vezes, muito violento. Se na loja Sônia quase não olhava para o negro e muito menos trocava qualquer palavra, na cama, ela o devorava, comia-o completamente. Assim, viviam cada um do seu jeito, Bauduíno flertando diariamente e Sônia encenando um comportamento puritano de moça de família.
O negro Antônio Bauduíno viera da Bahia. Em Salvador, morou no morro do Capa-negro. Nessa vida já pousou de tudo; de malandro capoeirista, de lutador de boxe, de artista de circo, de líder do sindicato dos estivadores do cais do porto. Já fez o diabo. Certo dia resolveu partir para o Rio de Janeiro num navio cargueiro. Queria conhecer a cidade maravilhosa e sentir de perto os seus prazeres, mas prometera a Jubiabá, macumbeiro respeitado, que retornaria ao lar assim que fizesse fama.
Antes de partir, pai Jubiabá colocara uma figa no pescoço do negro, disse que daria sorte. Ao chegar ao Rio recebeu o convite de João Serapião para trabalhar no cais do porto. Serapião viajou no mesmo navio que Bauduíno e tinha muito conhecimento no cais do Rio de Janeiro. Mas o negro agradeceu o convite e disse que queria outros ares, já estava cansado de carregar peso e ganhar pouco. Queria um trabalho mais leve que ganhasse um pouco melhor. Foi assim que Bauduíno deixou o cais e partiu em direção à Central do Brasil, mas na Rua Marechal Floriano parou num botequim para beber cachaça e foi aí que conheceu Zé goela doce, poeta e cachaceiro famoso de Campo Grande. Em seus dias normais, Zé costumava freqüentar o bar dos petiscos, em Campo Grande, lá sim, era a sua jurisdição. Todos o conheciam. Era mestre nas rodas de samba, compunha para muita gente, recitava versos, apaixonava-se todos os dias, bebia muita cachaça, mas Zé gostava de trabalhar também. Próximo ao botequim amarelinho, na Marechal Floriano, Zé trabalhava num pequeno jornal, mas não era colunista, apenas um revisor das letras, apesar de muita coisa de sua criação fora publicada com outra autoria. Mas Zé não esquentava, pelo contrário, sentia orgulho e, às vezes, vendia versos ao preço de uma dose de cachaça, muito pouco? Para Zé não. Dinheiro não lhe faltava, pois se não o tinha, conseguia tudo o que queria no fiado mesmo. Zé goela doce era um homem livre, amante da vida, das mulheres, da cachaça.
Na conversa com Zé, Baldo se entusiasmou com o patrício, pois logo soube que Zé goela doce, também, era baiano. Assim, conversaram sobre a Bahia, sobre os seus mistérios. Beberam muito, cantaram Vinícius, descreveram as curvas ideais das negras baianas..., um encontro perfeito.
Na madrugada, Zé partiu para a Central do Brasil para pegar o último trem. Convidou Bauduíno a seguirem para Campo Grande. Lá o negro arrumaria serviço rápido. Zé conhecia muita gente do comércio, não demoraria a surgir uma vaga de atendente ou até mesmo de segurança. Baldo parou, pensou um pouco e respondeu:

– Mestre Zé, se não for dá trabalho, eu aceito. Fico muito agradecido pela gentileza.

E foi assim que os dois seguiram para Central, de um lado Zé Goela Doce no seu passo curto, mentalmente calculado, pois qualquer desequilíbrio poderia desvendar os litros e litros de cachaça que já bebera; do outro, Baudo com seu andar gingado, um pouco bêbado, mas firme, na confiança de um novo desafio, pois já fora lutador de boxe, artista de circo, trabalhara nas plantações de fumo, até líder sindical dos estivadores do cais do porto da Bahia já fora. E agora outro desafio, qual seria? Não o sabia, mas levava consigo a figa de Jubiabá e a esperança de voltar à Bahia com muitas histórias para contar.

Selma, a amiga perfeita

Selma era amiga íntima de Sônia. Muitos pensavam que eram irmãs. As duas tinham a mesma altura, o corte e a cor dos cabelos eram bem parecidos. De costas, as bundas se confundiam. As coxas alvas grossas e depiladas eram um convite ao prazer. A única diferença nas duas estava no fato de Selma usar óculos e ter os olhos verdes. No resto, pareciam irmãs gêmeas.
Mas existiam outros pormenores entre Sônia e Selma. Sônia era mulher amante, entregava-se ao prazer com o primeiro que conquistasse seu coração e não precisava ter dinheiro, se tivesse, estava perfeito, mas se fosse pobre, o macho deveria ser no mínimo forte, viril, homem segundo os gostos íntimos das mulheres, aliás, só as mulheres podem descrever de fato o que significa se deixar possuir por um homem que mais lembra um animal.
Selma era mais comedida, apesar de ser bem mais dissimulada que Sônia. Sônia não dava bandeira no trabalho, pois Janjão poderia descobrir. Sabe-se lá se o polícia não a estaria vigiando do outro lado da rua? Fora do posto e fora dos olhos de Janjão, Sônia se entregava à vida e aos seus amores.
Selma, porém, não se entregava a qualquer um. Outro dia, estava numa roda de samba em Santa Cruz. Fora convidada por Katião, amiga de muitos anos, comerciante de churrasquinho na Praça Bela. Quem não conhecia em Santa Cruz o apetitoso churrasquinho de Katião? Pois bem, Selma, por ser convidada de Katião, gozava de muita liberdade e respeito na roda de samba, tava pra nascer o abusado que lhe passasse a mão, pois quem compraria a briga seria Katião que trazia a navalha no peito.
Ramiro bom-de-papo bem que tentou. Abriu seu coração aos encantos de Selma, recitou pequenos trechos de poemas já há muito manjados. Contou histórias de feitos heróicos, cujo herói, ele mesmo, sempre se dava bem. Convidou-a para um baile nos Acadêmicos de Santa Cruz, e assim por diante... Ramiro não era o tipo de homem que Selma precisava. Selma gostava de homens inteligentes, safados e de preferência com dinheiro. Não seria qualquer pé-rapado que saborearia seu corpo esguio, em forma, novinho, pois Ramiro trabalhava no jogo do bicho, era apontador. Que futuro teria com um homem que deixava a unha do dedo mindinho das mãos crescer para poder tirar cera dos ouvidos? Portanto estava fora de cogitação...
Apesar de ser exigente, Selma tinha seus pontos fracos. Certa vez encontrou com Sônia num pagode em Campo Grande. As duas combinaram de se encontrar para aproveitarem o pagode juntas. Sônia estava com Baldo, Selma, porém, não arranjara ninguém, estava só, para deleite de todos os homens do pagode.
Foi nessas circunstâncias que uma porradeiro danado surgiu do nada. Um engraçadinho tentou bolinar Selma. Baudo que tinha saído pra comprar cerveja, não presenciou o fato, mas nem precisava, o barulho chegou até o caixa, pois Selma deu um soco fenomenal no queixo do atrevido que caiu desmaiado no chão. Só que surgiram do nada alguns caras que eram amigos do sujeito desmaiado. Tinha um moreno forte que era muito abusado, metido a fortão e a bater em todo mundo. Pegou Sônia pelos cabelos e começou a gritar com ela. Os seguranças não se atreveram a separar, talvez, achavam justo o troco na branca. Foi assim que Baudo, o boxer, entrou em ação. Com um rabo-de-arraia derrubou o covarde no chão, pois odiava homem que batia em mulheres. O moreno levantou um pouco zonzo e logo mais dois caras se juntaram contra Baudo. Selma saiu de fininho, foi ficar junto com Sônia que se deleitava dizendo aos outros, ‘esse é meu macho’. Os três vieram com fúria pra cima de Baudo que num gingado de capoeira meteu o pé nas caras dos três, quase simultaneamente. Caídos, os três perceberam que não conseguiriam derrubar o negro. Saíram dali às carreiras, com vergonha de todos.
Baudo foi ovacionado pela multidão que aplaudia a coragem do negro. Foi nessa noite que Sônia teve a idéia de comemorar os três juntos num motel ali perto. Selma, muito feliz por ter sido salva de um espancamento certo, aceitou de imediato, mas antes queria tomar todas para chegar anestesiada na hora da suruba.
Ao fim do pagode, lá pelas 4 da manhã, os três saíram agarrados um ao outro, quase cambaleando. O motel ficava a umas duas quadras do pagode, portanto seguiram a pé. Só que nesse trajeto, um carro cheio de cabeças parou. Desceram quatro sujeitos armados. Não tinha jeito de Baudo escapar. Bêbado,o negro pensou que fossem até da polícia.
Espancaram Sônia e Selma até as deixarem desacordadas. Selma perdeu quase todos os dentes. Sônia foi estuprada – talvez até gostou – e teve suas roupas rasgadas.
Bauduíno, porém, apanhou bastante e foi jogado no porta-malas do carro.
Ninguém nunca mais ouviu falar no negro.
Duas semanas depois do ocorrido, Sônia lembrava com saudades o sorriso quase desdentado do negro. Nesse mesmo dia, percebeu em sua bolsa uma figa que pertencia a Baudo. Não sabia ela que aquela figa tinha sido presente de Jubiabá, o maior macumbeiro da Bahia. Foi numa noite de amor qualquer que Baudo, com medo de perder a figa, a tirou do pescoço e a colocou na bolsa de Sônia.

FIM.

(Por Franco Aldo – Cuiabá – 04/11/2011)

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