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segunda-feira, 25 de julho de 2011

A Liberdade da TV e as Ações 'Paternalistas' do Estado

Em entrevista ao IG, o todo poderoso da Rede Globo de televisão, Luis Erlanger, afirma que o Estado não deve intervir, isto é, regular as programações que são transmitidas pela sua emissora, principalmente as novelas, e segundo o poderoso diretor, cabe à família brasileira, em pleno exercício de sua liberdade, atribuído pelo estado democrático de direito, decidir aquilo que poderá ser visto por crianças e por toda a família.
Erlanger ainda salienta que “o Brasil vai ter um problema muito grande do ponto de vista cultural, se os cidadãos seguirem padrões de acordo com o pensamento dominante”, como se seu veículo de comunicação fosse algo que não fizesse parte de um sistema ideológico que tem por único fim a moldura de comportamentos previsíveis e passivos.
Ainda sobre o assunto, se o Estado deve ou não tecer dispositivos de controle na programação dos canais de TV, principalmente nas novelas brasileiras, a questão não é fácil. Se de um lado as emissoras reclamam da intervenção do Estado, afirmando que existe hoje em dia uma espécie de censura mais terrível do que nos tempos militares; por outro lado, o Estado e uma minoria parcela da sociedade reclamam por um freio na tão discutida liberdade total dos meios de comunicação, quanto ao teor de suas programações.
E quando a seara recai nas novelas brasileiras, aí sim que o assunto ganha mais discussões acaloradas, pois ninguém é bobo de igualar a importância ideológica das novelas brasileiras, principalmente as globais, com outra programação qualquer, como, por exemplo, um filme.
As novelas fazem parte da cultura brasileira. Nelas, comportamentos são moldados, pensamentos são distorcidos, uma gama muito grande de influência de toda ordem é despejada na sala do lar brasileiro, e isso tudo sem pedir licença. Portanto, a novela é um programa assistido por todos os membros da família, sejam eles crianças, jovens, adultos e velhos. É uma espécie de espetáculo que deve sim ter uma atenção especial quando o assunto diz respeito à liberdade incondicional dos meios de comunicação em relação à programação e aos seus horários. Nessa ótica, o Estado tenta promover ‘ações paternalistas’ com o único objetivo frear os excessos das programações, salvaguardando a célula máter da sociedade, a família. Pelo menos é assim que tem que ser.
Afirmar que a responsabilidade do que é visto na TV recai exclusivamente ao chefe de família, é antes de tudo fechar os olhos para a realidade brasileira, principalmente no que diz respeito à educação.
Num país como o Brasil, onde o nível de analfabetismo ainda é um dos maiores do mundo e que a educação é tratada com indiferença, como se fosse uma coisa inútil, para não dizer um peso; atribuir pesadas responsabilidades, passíveis de traumas incorrigíveis no futuro, a pessoas despreparadas não me parece uma idéia das mais honestas, mas sim de um pensamento egoísta que visa apenas o próprio umbigo.
Seja como for, a discussão não é simples. Se de um lado somos assombrados pelo fantasma da censura e da falta de liberdade de expressão, por outro, temos o perigo de tornar uma sociedade despreparada num verdadeiro pandemônio.

Confira a entrevista.

Luis Erlanger: “Classificação de idade com faixa horária é ataque à liberdade de expressão”

Em entrevista exclusiva ao iG, diretor da Central Globo de Comunicação diz que não cabe ao Estado decidir o que seus filhos vão assistir.

Uma caneca azul que serve como porta-lápis, uma lupa, dicionário da língua portuguesa, computador, troféus. Na mesa de Luis Erlanger ainda há espaço para um leitor de e-books Kindle, dois tablets (iPad e Galaxy Tab), Blackberry, iPhone e celular. “Carrego tudo numa maleta. Além disso, tenho o Slingbox, aparelho que me permite ver TV no iPhone e no iPad”, destaca. Na parede de sua sala, no prédio da TV Globo no Leblon, Rio, há uma televisão de plasma – que ele pede para um funcionário ligar (“Coloca na Globo”) – e uma camisa emoldurada do projeto Criança Esperança (autografada por Fernanda Montenegro).

Erlanger, 56 anos, é, há quase 12, diretor da CGCOM (Central Globo de Comunicação), responsável pela imagem da maior emissora de TV aberta do País e também pela assessoria de imprensa. É pelo seu estratégico departamento que passa todo e qualquer pedido de entrevista com atores e jornalistas do canal, alem da divulgação de novos projetos. Antes, ele foi editor-chefe do jornal O Globo e também diretor editorial da CGJ (Central Globo de Jornalismo). “Acho engraçado quando falam esse negócio de poder. O exercício que tenho aqui é de uma baita de uma humildade procurando ajudar as pessoas e a empresa a divulgar seus produtos. Se tenho inimizades, devo ter por meu estilo espalhafatoso, veemente, voltado à defesa de teses”, diz.

Erlanger aceitou esta entrevista a partir de um pedido informal em uma rede social. Mesma rede que ele utiliza para estar adequado às novas diretrizes propostas pela internet. “Tenho uma filha de 28 anos, uma de 25, de 21 e trigêmeos de 8. Não tem ninguém mais wireless em casa do que eu. Minha mulher até reclama que sou muito multimídia. Faço cursos de psicanálise de vez em quando. Mas fique tranquilo que nunca vou querer cuidar de ninguém. É que acho interessante esta ligação de Freud com a comunicação”, explica.

Em mais de duas horas de bate-papo em sua sala, Erlanger fala da concorrência, das pressões que recebe da sociedade e da obrigatoriedade da classificação indicativa dos programas, o que chama de “ataque à liberdade de expressão”. “No Estado de direito, cabe aos pais decidirem o que seus filhos vão assistir, não meia dúzia de funcionários bem intencionados do Ministério da Justiça”, diz. Na conversa procura demonstrar precisão técnica, mostra tranquilidade ao colocar as ideias e, sem cerimônia, volta a um raciocínio que, por ventura, tenha achado que não expôs com a devida clareza.

A seguir, o que pensa o diretor da Central Globo de Comunicação.

Classificação de idade com faixa horária
“É uma grande ameaça à liberdade de expressão. O que foi feito é que deram um golpe ao se vincular classificação de idade com faixa horária. Reclassificar minha novela das nove para um outro horário inviabiliza minha produção. Porque não tenho outro horário para pô-la no ar. Quando mandamos (para o Ministério da Justiça) a sinopse (de um programa), mandamos com uma proposta de classificação. E eles veem se cabe isso ou não. A TV Globo acha que é um caminho legal avisar aos pais antes da programação o que vai acontecer ali, se vai ter cenas de violência, se vai ter cenas de sexo... Mas cabe aos pais decidirem o que fazer.”

Pensamento dominante
“O Brasil vai ter um problema muito grande do ponto de vista cultural, se os cidadãos seguirem padrões de acordo com o pensamento dominante. A ideia de classificação indicativa começou no governo PSDB e foi implantado pelo PT. Mas nada impede, por estarmos numa democracia, que venha amanhã um partido fundamentalista. Quem decide as seis pessoas responsáveis por esta classificação é o governo. Digamos que tenha um partido que se posicione contra o homossexualismo, o aborto, favorável ao ensino religioso... Se sou presidente eleito por este partido, vou colocar no Ministério da Justiça funcionários que sigam esta cartilha. Olha o perigo.”

Arma branca
“A gente tem mais problemas hoje no Ministério da Justiça do que na época da ditadura. Você pega uma novela das seis, uma cena de uma mulher na cozinha passando manteiga no pão. Aí tem uma algazarra na rua, ela chega na janela, sacudindo a faca e perguntando ‘o que está acontecendo?’. O cara em Brasília diz que a faca é arma branca e se continuar aparecendo vai reclassificar a novela.”

Poder do controle remoto
“A novela ‘A Favorita’, do João Emmanuel Carneiro, tinha a personagem da Patrícia Pillar que era uma serial killer. Vazou que ela ia matar alguém a facadas. Recebemos recados: ‘ó, se aparecer facada, vamos reclassificar’. Aí João ficou quieto e matou a personagem com furador de gelo! Furador de gelo não é arma branca. Lembro da minha juventude, vendo Chico Buarque arrumar artifício para burlar censura, arrumando pseudônimo, fazendo metáforas. Estamos numa democracia. Se você está insatisfeito com algo, use o controle remoto. Quando eu voto, a cada dois anos, não estou transferindo para o Estado o poder sobre minhas decisões.”

Humilhado no cinema
“Você sabe que perdeu seu direito de autoridade como pai quando leva o filho ao cinema. Fui uma vez assistir a ‘Traffic’, com minha filha que tinha 17 anos. É um filme que, na minha cabeça, deveria passar em escolas. Tem traficante morrendo para lá, outro para cá, mas a história central é de uma jovem de 17 anos, de classe média alta, o pai é procurador, ela tem um namoradinho, consome maconha, vai para a cocaína, passa para a heroína... Mostra a tragédia que é o consumo de drogas. Um camarada lá em Brasília achou que a classificação era de 18 anos. Ele pode até colocar isso como recomendação. Mas eu achava importante minha filha de 17 anos ver o filme. Cheguei na porta do cinema e o porteiro esticou a mão falando ‘não entra’. É uma desmoralização. Se não sou um bom pai, que me casse o pátrio poder. É o Estado desqualificando a capacidade dos pais de escolher o que é bom para seus filhos.”

Luta pela liderança
“A gente é uma emissora líder que nunca está confortável com a posição. Queremos melhorar a qualidade e a concorrência, embora estejamos sempre em patamares históricos. Não somos uma TV segmentada, temos 50% de share (totalidade das pessoas com o televisor ligado num determinado período) porque não somos uma TV do homem, da criança ou da dona de casa. Mas da família brasileira. Agora como há dez anos a Globo tem mais do que a soma de todos os demais canais.”

De olho na Classe C
“O que precisamos é manter todos os segmentos da sociedade brasileira representados na nossa programação. Temos que ter 50% da classe A, 50% da classe B, 50% da classe C... Assim, quando percebemos a queda de audiência de uma das classes, reforçamos para voltar com aquele público. Não tem essa de que agora é a classe C. Para ter 50% da audiência total, tenho que ter 50% de todas as classes sociais.”

Manipuladora
“A gente ouve as teses mais malucas do mundo. Quando alguém chega e diz que a Globo manipula a população, está sendo agressivo com a população, por achá-la idiota. Se fosse assim, não precisaríamos brigar dia a dia por esta liderança.”

Um trauma como exemplo
“Cometo vários erros, mas este que vou te contar é histórico e tenho orgulho dele, por servir de aprendizado. Há uns anos, tivemos um plebiscito de venda de armas. Propus à direção, assumo que foi ideia minha, de entrarmos no assunto. Pensei ‘não vai ter ninguém no Brasil contrário à proibição de venda de armas’. A ideia era fazer a maior campanha da história da TV brasileira, entrar de cabeça contra as armas, usar todo o nosso elenco para isso. Conversamos com o Manoel Carlos, que estava com uma novela no ar (“Páginas da Vida”, 2006), e também abraçou a ideia. Ele fez uma cena onde a personagem da Vanessa Gerbelli morria de bala perdida. Teve uma passeata, uma coisa tão esquizofrênica, que até políticos pediram para participar. Aparentemente era algo imbatível. E quanto foi o plebiscito? Favorável à comercialização de armas.”

Campanhas unânimes
“Ninguém tem a capacidade de forçar a população a tomar uma decisão contrária a seus princípios. O que decidimos a partir daí (do plebiscito das armas)? Do ponto de vista institucional, só abraçamos campanhas que correspondam à unanimidade. Campanha de doação de sangue, contra preconceito, a síndrome de down...”

Gays em horário nobre
“Não tem por que deixar de mostrar nas novelas a questão da homoafetividade, se uma parcela da população opta por isso. Temos sim que atacar diretamente a homofobia, mas não corresponde a nós abraçar causas incorporadas ao pensamento coletivo. Não abraçamos bandeiras, mas tratamos de temas que mereçam reflexão. Não tem uma só novela na Globo, a não ser de época, que não tenha alguma mensagem contra homofobia. Os grupos de militância defendem que a gente estique a corda e transforme isso em bandeira. E há um público muito conservador que acha que o simples fato da gente mostrar o homoafeto é um absurdo. Quando temos críticas das duas pontas, é porque estamos no caminho certo.”

Para-raios do bem e do mal
“Um ator ganha um prêmio em Cannes. A notícia é ‘ator tal ganha prêmio em Cannes’. Na semana seguinte, ele volta e é preso com cinco baseados de maconha. A notícia é ‘ator global é preso com maconha’. Quando é mérito pessoal é dele, quando pisa na bola é da TV Globo. Somos uma espécie de para-raios, para o bem e para o mal.”
Componente de arrogância
“Na última análise de pesquisa, sentimos que havia um componente de arrogância com o slogan ‘Globo e você, tudo a ver’. Não é possível que o telespectador goste de tudo da Globo. Não é tudo a ver, é quase tudo a ver. Temos a maioria da audiência do Brasil, porque o telespectador liga na gente. Só tem um motivo para que o telespectador se ligue na gente. É que a gente se liga no telespectador. Então chegamos a este último slogan, o ‘A gente se liga em você’, que tem um sentido afetivo.”

Popular ou popularesco
“É importante distinguir estes conceitos. Ser popular não é ser popularesco. Nós queremos ser populares. Um projeto como ‘O Astro’ é sofisticado. Isso ali na parede (ele aponta para um troféu) é um Leão de Ouro, de 2009. A primeira vez que Cannes criou um prêmio para novas mídias quem ganhou foi a tradicional mídia aberta chamada TV Globo. Olha que curioso. A gente quer fazer um produto popular de qualidade. Uma boa teledramaturgia, um bom jornalismo não têm distinção de classe.”

Freud explica
“A televisão tem uma característica que nenhum outro veículo consegue suprir. É a única que une todos numa só comunhão. Quando você assiste à novela das oito, todos os brasileiros, todos não, a maior parte dos brasileiros vive a mesma emoção que você. O pensador francês Dominique Wolton, no livro ‘Elogio do Grande Público’, foi o primeiro a falar que o rádio não acabou com o jornal, a TV não acabou com o rádio e a internet não vai acabar com a TV. Não existe esta pesquisa do Brasil, mas 30% das pessoas que estão na internet nos Estados Unidos deixam a TV ligada ao lado do computador. As pessoas ficam vendo o jogo da seleção brasileira na TV e comentando o topete do fulano nas redes sociais. Está em Freud. O ser humano quer a sensação de pertencimento.”

Artistas e jornalistas nas redes sociais
“Nas chamadas novas mídias, o jornalista deve seguir as mesmas regras das mídias tradicionais. Você pode, no seu blog ou Twitter, falar de assuntos que dizem respeito à empresa? Não pode. Um âncora da TV Globo pode subir na esquina da Avenida Paulista e fazer um discurso contra a Dilma? Não pode. A pessoa tem que ter o mesmo bom senso na mídia social que tem nas outras mídias. Isso é recomendado para qualquer jornalista da empresa, em qualquer plataforma.”

Dieta de jornalista
“É um sucesso este quadro “Medida Certa”. É da tradição do Fantástico buscar novas linguagens. Há vinte anos, era 95% entretenimento e 5% jornalismo. Era Glória Maria na beira do vulcão, pulando de paraquedas... Hoje é 95% jornalismo e 5% entretenimento. O repórter pode entrar num picadeiro, desde que mantenha os princípios éticos, morais e de credibilidade. Veja o caso do (Pedro) Bial. Ele tem condição de ancorar qualquer telejornal, tratar de assunto de maior seriedade, e passar parte do ano como âncora do Big Brother Brasil.”

Ratinhos de laboratório
“O que não entendo, e queria acompanhar do ponto de vista psicanalítico, é como tem quem entra numa plataforma e perde a noção de privacidade. Os caras se expõem de uma maneira inacreditável. Colocam coisas na internet como se ninguém fosse ver, fotos que não se colocaria na parede de casa. A menina posta ‘corri na praia, estou suada e vou tomar banho’. Isso é coisa que você grita da janela de casa? Preciso ainda fazer uma análise psicanalítica disso. Meu Twitter é um laboratório. As pessoas são ratinhos de laboratório, só entra lá quem quer. Cada vez que coloco ‘não me siga’, entram novos cinquenta para me seguir. Tenho 13 mil seguidores.”

(Por IG - 25/07/2011)

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