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quarta-feira, 11 de maio de 2011

O Cachaceiro e a Conversão

O que leva um homem a se tornar um cachaceiro?
A pergunta, de um modo geral, pode ser muito bem respondida com uma simples desilusão amorosa, ou a falta de instrução e trabalho, como também, pelo exemplo dos pais, ou por pura falta de opção; o cachaceiro gosta de cachaça e pronto!
Conheci um cachaceiro que, por muito tempo, tentei descobrir os motivos dos males de sua vida tão simples e sofrida. Ele era conhecido como Betinho de Jesus, aliás, um nome bem agradável que, pelo menos no papel, escondia a triste figura que estava por trás das roupas rotas e sujas.
Uma vez, Betinho veio pra barraca da Elizabete, onde eu estava tomando uma cerveja e tirando gosto com amendoim. Aproximou-se com o seu jeito simples e gingado de gente que não tinha nada na vida, apenas era senhor de uma desbotada e suja calça Jens barata, já há muito tempo precisando ser trocada. A camiseta sórdida de partido político deixava transparecer as costelas de nossa personagem, de tão vagabundo que era feito o tecido. Na cabeça, um bonezinho preto falsificado da ‘adidas’. Na boca, um pito de cigarro do Paraguai e muita conversa pra desenrolar.
Betinho se aproximou de mim e com um sorriso, que deixava transparecer a ausência dos caninos, cumprimentou-me e pediu a primeira dose do dia. Elizabete trouxe a garrafa da caninha mais barata e despejou a dose da aguardente no copo americano de Betinho. Num gesto que mais parece um ritual, Betinho despejou um pouquinho de caninha no canto da parede, oferecendo ao seu santo protetor e depois, mais uma vez, cumprimentou-me, e, de uma talagada só, mandou tudo goela abaixo. Fez uma cara sem expressão, gesto de pura aprovação.
A conversa foi principiada com os assuntos de gente freqüentadora de botequim; o golaço da rodada, o samba da moda e o corpo exuberante da Tara Meres, a modelo de perdição do momento.
Após meia hora de papo furado, tentei arrancar os sentimentos mais íntimos de Betinho. Perguntei o que fora a sua vida no passado para viver um presente tão amargo.
Após me olhar dos pés a cabeça, Betinho acendeu um cigarro barato, deu uma baforada e disse o seguinte:
– Olha irmãozinho, quem disse pra você que minha vida tem um presente amargo? Não estou te entendendo. Além do mais, sou muito feliz do jeito que sou. E o meu passado foi sempre assim, pouco mudou. – desabafou Betinho de Jesus.
Percebi que se continuasse com a minha investigação da vida de Betinho, poderia aborrecê-lo profundamente. E isso era coisa que eu não queria de jeito nenhum.
Duas horas após a primeira dose, Betinho já estava pra lá de triscado, mas exibia-se com uma postura de ‘cachaceiro controlado’, aquele que está bêbado, mas não demonstra.
Eu também não estava tão bem assim. Depois de quase nove garrafas de cerveja precisava voltar pra casa e continuar meu texto do dia, mas a curiosidade com a vida do Betinho ainda me corroia por dentro.
No dia seguinte, voltei à barraca da Elisabete pra encontrar com o Betinho, mas ele não apareceu. Voltei no outro dia, e nada.
Procurei por Betinho a semana toda. Fui a todos os botequins da região: no Adilson, no Bigode, no bar do Fogão, no Seu Zé, até no Caidinho eu fui. Mas nada de Betinho.
Um mês após o meu último encontro com Betinho de Jesus, procurei saber de seu paradeiro com a Elisabete:
– Você não sabe? O Betinho entrou pra igreja. Não bebe mais. Anda com a Bíblia debaixo do braço e tudo. – Declarou Beth pro meu espanto.
Fiquei feliz com a notícia, mas ao mesmo com uma ponta de tristeza. Não sabia direito do por quê; talvez fosse o remédio que o curou da vida boêmia ou talvez fosse simplesmente pelo início de minha ociosidade, mas como tudo converge para esse fim, tive um lapso de contentamento.
Enquanto isso, num sábado à noite:
– Irmãos! Quem de vós não cometeu algum pecado?! Entrega-me o teu coração, que a glória de Nosso Senhor Jesus será a recompensa!
O nosso templo ainda não está à altura de se chamar a casa de Deus! Vamos irmãos! Vamos contribuir para a glória de nosso espírito. Quanto maior a contribuição maior será a salvação! – Pregou exaltadamente, empapado de suor, o pastor Claudionor Correa em mais um culto na Igreja Redenção da Alma, ao som de berros de aleluia da multidão alvoroçada.
Às nove e trinta da noite, ao fim do culto, o pastor Claudionor Correa cumprimentava na saída da Igreja os fiéis mais fiéis, aqueles que mais contribuíam para o crescimento da fé.
Betinho de Jesus recebeu o cumprimento do Pastor. Depois da benção; sorridente, pegou a Bíblia pôs debaixo do braço e foi pra casa.
Um ano após aceitar Jesus, no mesmo bar da Elisabete, lá estava Betinho de Jesus tomando seu trago matinal com umas roupas tão sujas e rasgadas quando da última vez em que conversamos. Os cabelos já muito brancos. Os dentes quase inexistentes. E uma expressão pra lá de derrotada.
Definitivamente não era o mesmo Betinho de Jesus dos últimos tragos na Elisabete antes da conversão. Faltava-lhe algo. Dignidade? Vergonha? Não sabia.
Pedi uma cerveja e dois copos. Betinho me olhou e me reconheceu. Pegou o copo de cerveja gelada e de um gole só mandou tudo pra dentro. Não tive coragem de puxar conversa, pois sabia que Betinho estava mal, mas a nossa personagem começou a contar uma triste história, talvez como forma de agradecimento pela cerveja:
– Sabe moço, um dia conheci um cara como eu que bebia o dia todo. Uma vez ele foi convidado a aceitar Jesus e se meteu com assuntos de Igreja. Parecia tudo bem; não bebia mais, casou com uma mulher que gostava muito e até voltou a trabalhar. Mas um dia, ao chegar cansado mais cedo do trabalho, pegou a sua mulher com um irmão da comunidade em sua cama!
Foi o fim pra ele! Antes, com a bebida, ele não tinha era na vergonha cara, agora, não tem é nada a perder, pois o que parecia a salvação tornou-se a sua perdição!
Antes mesmo que eu pudesse fazer alguma pergunta ou comentário, Betinho retirou do bolso um maço de notas sujas e amassadas 1 Real, pagou a conta e foi-se embora com passos lentos e com um andar gingado.
Só assim me dei conta de que Betinho era um homem feliz quando o encontrei, um ano atrás, aqui mesmo no bar da Elisabete.

(Contos de Botequim - por Franco Aldo – 11/05/2011 – às 09:37hs)

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