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domingo, 19 de junho de 2011

A Derrota de Keiko Fujimori e o Renascimento do Peru – Por Mario Vargas Llosa

Quando eu soube que Keiko Fujimori estava concorrendo às eleições presidenciais no Peru, uma ponta de arrepio me tomou conta. O sobrenome Fujimori, antes de significar a história de mais um déspota populista, significa, principalmente para o povo peruano, o atraso e a falta de liberdade.
Keiko Fujimori é filha de Alberto Fujimori que governou o Peru de 28 de julho de 1990 a 17 de novembro de 2000.
Durante seu governo, Fujimori praticou vários crimes, desde corrupção até assassinatos.
Durante os últimos meses do ano de 2000, Fujimori foi encurralado por uma serie de escândalos em seu governo. Durante esses fatos, saiu do Peru na qualidade de presidente para assistir à convenção da APEC, em Brunei, de onde depois viajou ao Japão, onde renunciou à presidência e pediu asilo político.
Em 2005, Fujimori mudou-se para o Chile na condição de exilado político, onde vivia desde então. Em setembro de 2007, a justiça chilena atendeu pedido de extradição do ex-presidente feito pelo Peru, para ser levado a julgamento por corrupção, enriquecimento ilícito, evasão de divisas e genocídio, pela morte de 25 peruanos durante manifestação contra seu governo.
O seu julgamento por abuso dos direitos humanos e sequestro iniciou-se em 10 de Dezembro de 2007 em Lima.
No dia 12 de Dezembro de 2007 foi condenado a seis anos de prisão pela revista ilegal da casa da mulher de seu ex-assessor Vladimiro Montesinos. A sentença, ditada pelo juiz Pedro Urbina, também obriga o ex-governante a pagar 400 mil novos sóis (133000 dólares) como reparação civil ao Estado. Além disso, o condenado está impedido de exercer cargos públicos por dois anos.
Em Abril de 2009, foi condenado a 25 anos de prisão por violações dos direitos humanos enquanto esteve no poder, sentença confirmada pelo Supremo Tribunal peruano.
Portanto, quando eu soube da vitória, no último dia 6, do candidato nacionalista Ollanta Humal, suspirei aliviado.
Na visão do Prêmio Nobel de Literatura de 2010, o peruano Mario Vargas Llosa, a derrota de Fujimori significou a derrota do fascismo, confira:

A vitória de Ollanta Humala no segundo turno das eleições presidenciais no Peru, no dia 5, salvou o país de uma ditadura que, amparada por uma maioria nas urnas, isentaria o regime de Alberto Fujimori e Vladimiro Montesinos (1990-2000) dos crimes e roubos praticados, como também das violações da Constituição e leis que marcaram esta década. E teria reintegrado os 77 civis e militares que, pelos delitos praticados nesses anos, estão presos ou sendo processados. Pela mais pacífica e civilizada das formas - um processo eleitoral - o fascismo teria ressuscitado no Peru.
"Fascismo" é uma palavra que tem sido usada levianamente pela esquerda, mais como um conjuro ou um insulto contra o adversário do que como um conceito político preciso, o que para muitos pode parecer um rótulo quase sem significado para indicar uma típica ditadura terceiro-mundista. Não foi isso, mas sim algo mais profundo, complexo e totalitário do que os golpes de Estado tradicionais, quando um caudilho mobiliza os quartéis, assume o poder, enche os bolsos e os dos seus colaboradores, até que, repelido pelo país explorado até à ruína, acaba fugindo.
O regime de Fujimori e Montesinos - dá vergonha dizer - foi popular. Contou com a solidariedade da classe empresarial por causa da sua política de livre mercado e pela prosperidade observada com o aumento dos preços das matérias primas, e também de amplos setores da classe média por causa dos golpes infligidos ao Sendero Luminoso e ao Movimento Revolucionário Tupac Amaru, cujas ações terroristas viviam em meio à insegurança e o pânico. Os setores rurais e marginalizados foram conquistados mediante políticas assistencialistas de distribuição e dádivas. Aqueles que denunciavam os abusos eram perseguidos e intimidados, e sofreram todo o tipo de represálias.
Montesinos patrocinou o florescimento de uma "imprensa marrom" imunda, cuja razão de ser era lançar no opróbio seus oponentes por meio de escândalos fabricados. Os meios de comunicação foram subornados, extorquidos e neutralizados, de modo que o regime só contava com uma oposição na imprensa reduzida e em surdina, o necessário para alardear que respeitava a liberdade de crítica.
Jornalistas e proprietários de meios de comunicação eram convocados por Montesinos para o seu escuro gabinete no Serviço de Inteligência, onde ele não só pagava pela sua cumplicidade com grandes somas de dólares, mas também os filmava às escondidas para guardar provas da sua infâmia. Por ali passavam empresários, juízes, políticos, militares, jornalistas, representantes de todo espectro profissional e social. Todos saíam com seu presente embaixo do braço, corrompidos e contentes.
A Constituição e as leis foram adaptadas às necessidades do ditador, para que ele e seus cúmplices parlamentares pudessem reeleger-se com comodidade. A malandragem não tinha limite, tendo chegado a um nível sem precedentes na história da corrupção peruana.
Ou seja, resumindo, é isso que retornaria ao Peru com o voto dos peruanos, se Keiko Fujimori tivesse vencido esta eleição. Ou seja, o fascismo do século 21. Um fascismo que não é mais representado nas suásticas, na saudação imperial, no passo de ganso e um caudilho histérico vomitando insultos racistas do alto de uma tribuna. Mas foi o que representou exatamente, no Peru de 1990 a 2000, o governo de Fujimori. Uma quadrilha de bárbaros vorazes que, aliados a empresários sem moral, jornalistas canalhas, pistoleiros e assassinos, e a ignorância de setores da sociedade, instalou um regime de intimidação e corrupção, que, fingindo assegurar a paz, eternizou-se no poder.
O triunfo de Humala mostrou que ainda restava no Peru uma maioria não corrompida por tantos anos de iniquidade e perversão dos valores cívicos. O fato de essa maioria ter sido de apenas três pontos porcentuais é assustador, pois indica que as bases de sustentação da democracia são muito débeis e há no país quase uma metade de eleitores que prefere viver sob uma tirania do que em liberdade. Uma das grandes tarefas que o governo Humala tem pela frente é a regeneração moral e política de uma nação que o terrorismo e a ditadura levaram a uma tal desorientação ideológica a ponto de boa parte dos eleitores ter saudade de um regime autoritário.
Campanha suja. Um traço particularmente triste desta campanha eleitoral foi a preferência pela opção da ditadura por parte da chamada classe A, ou seja, a camada mais próspera e mais educada do Peru, aquela que passou por excelentes escolas, onde se ensina o inglês, que envia seus filhos para estudar nos EUA, essa "elite" convencida de que a cultura cabe em duas palavras: uísque e Miami. Aterrorizada com as mentiras fabricadas pelos jornais, rádios e canais de TV que lançaram uma campanha de intoxicação, calúnias e infâmias indescritíveis para impedir o avanço do candidato do bloco progressista "Gana Perú", que incluiu, é claro, despedidas e ameaças a jornalistas mais independentes e capazes. E o fato de esses jornalistas, não terem se deixado amedrontar, resistirem às ameaças e lutado, abrindo brechas nos meios de comunicação onde o adversário pudesse se expressar, foi um dos fatos mais dignos da campanha eleitoral.
Assim como foi um dos mais indignos o papel desempenhado pelo arcebispo de Lima, o cardeal Cipriani, da Opus Dei, um dos pilares da ditadura de Fujimori, que me honrou fazendo ler, na missa do domingo, um panfleto em que me atacou por tê-lo denunciado de calar quando Fujimori fez esterilizar cerca de 300 mil camponesas, sendo que muitas delas morreram nessa infame operação.
E agora, o que deve suceder? Leio no El Comercio, jornal do grupo que superou todas as formas de infâmia em sua campanha contra Humala, um editorial escrito com moderação e, até diria, com entusiasmo, sobre a política econômica que o novo presidente deseja implementar.
O que sucedeu para que todos se tornassem "humalistas" tão rápido? O novo presidente somente repetiu o que disse ao longo da sua campanha: que respeitaria as empresas e as políticas de mercado, que o seu modelo não era a Venezuela, mas o Brasil, pois sabia muito bem que o desenvolvimento deve continuar para a luta contra a pobreza e a exclusão ser eficaz. Naturalmente, é preferível que os nostálgicos da ditadura escondam agora os dentes e ronronem carinhosos na porta do novo governo. Mas não devemos levá-los a sério. Sua visão é minúscula, mesquinha e interesseira, como demonstraram nos últimos meses. E, sobretudo, não devemos acreditar neles quando falam de liberdade e democracia, palavras às quais recorrem quando se sentem ameaçados. O sistema da livre empresa e livre mercado vale mais do que eles e por isso o novo governo deve manter esse sistema e aperfeiçoá-lo, abrindo-o a novos empresários, que entendam enfim, e para sempre, que a liberdade econômica não pode ser separada da liberdade política e da liberdade social, que a igualdade de oportunidades é um princípio irrenunciável em todo sistema genuinamente democrático. Se o governo de Humala compreender isso e atuar coerentemente teremos, finalmente, como no Chile, Uruguai, e Brasil, uma esquerda autenticamente democrática e liberal. E o Peru não estará mais sujeito ao risco que correu nos últimos meses, de novamente ficar atolado no atraso e na barbárie de uma ditadura.

(Por Mario Vargas Llosa - O Estado de S.Paulo - 19 de junho de 2011 | 0h 00 – Tradução de Terezinha Martino)

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