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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Os Fantasmas do Passado e a Impunidade

Tortura foi 'arma política' para ditadura, diz relatório.
Segundo arquivos da Igreja, 'técnicas científicas' de repressão foram usadas para sufocar dissidência no Brasil.


O regime militar teria usado a tortura como uma "arma política" e desenvolvido uma série de "técnicas científicas" de repressão com vistas a sufocar a dissidência que existia no País. Documentos mantidos por anos nos arquivos do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, revelam os bastidores do que ocorreu no Brasil durante os anos de chumbo.
Relatórios, testemunhas, cartas, informações de dissidentes e dezenas de acusações fazem parte de três caixas de documentos entregues ao Brasil na semana passada para que possam ser estudados e eventualmente, como espera a ONU, sirvam de base para processos. Os originais, porém, foram mantidos em Genebra, onde o Estado teve acesso às suas mais de 3 mil páginas.
Um dos documentos mais detalhados do arquivo é um relatório produzido em Genebra pela Comissão Internacional de Juristas, em julho de 1970, no auge da repressão no Brasil. O relatório iria ser publicado e enviado para a imprensa. Mas acabou não sendo difundido e foi mantido nos arquivos.
O documento foi preparado a partir de relatos de dissidentes e vítimas, além de documentos coletados por relatores, que tiveram os nomes mantidos em sigilo. A comissão, em colaboração com outras organizações, enviou em 1971 as evidências à Comissão de Direitos Humanos da ONU.
No documento de 1970, os relatores classificam a situação no País como de "guerra civil", com existência de um aparelho de Estado montado para reprimir e "esquadrões da morte" que atuavam fora dos limites da lei.
No total, o documento estima que havia 12 mil prisioneiros políticos no Brasil naquele ano e revela as negociações frustradas do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para ter acesso aos detentos. Segundo o documento, o governo não autorizou a entrada da entidade nas prisões brasileiras. O então presidente Emílio Garrastazu Médici chegou a convocar uma coletiva de imprensa para anunciar que não havia presos políticos no País. Seu ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, seria favorável à entrada da Cruz Vermelha. Mas sua autorização foi anulada pelos militares.

(Por Jamil Chade / CORRESPONDENTE / GENEBRA - O Estado de S.Paulo - 21 de junho de 2011 | 23h 08)

Ultimamente, o cerco aos antigos repressores políticos da época da tão badalada e saudosa ditadura vem como uma onda avassaladora, aliás, como sempre, uma pressão externa que rompe as fronteiras e exige justiça.
A Argentina é o país sulamericano que mais tem se engajado na condenação de seus antigos líderes por crimes contra a humanidade. E assim foi com o ex-chefe do Terceiro Corpo do exército argentino, Luciano Benjamín Menéndez, condenado à pena de prisão perpétua pela prática de crimes contra a humanidade durante a última ditadura militar, em 28 de março. A primeira pena perpétua aplicada a Menéndez foi em 24 de julho de 2008; a segunda, em 28 de agosto de 2008; a terceira em dezembro de 2009 e as posteriores em julho e dezembro de 2010. Em 1988, ele foi acusado de ter cometido 47 assassinatos, 76 casos de torturas e de ter se apropriado de quatro menores.
Já aqui no Brasil, uma pequena pressão dá sinais de que a busca pela justiça dos perseguidos políticos pode acontecer a qualquer momento. E esse clima vem esquentando por pressões de ONGs, Igreja, o exemplo das condenações argentinas e por movimentos contra o despotismo em todo mundo, como a queda de ditadores no Oriente.
Diante desse quadro, uma questão que pode alavancar o início de caça às bruxas aos antigos generais diz respeito à manutenção ou não do sigilo para documentos oficiais classificados como ultrassecretos. O problema de se esconder ou não os documentos do passado está muito mais ligado às questões de direitos humanos e nas suas possíveis e futuras conseqüências, mas não podemos negar que outros problemas, mais avassaladores, podem estar escondidos por debaixo do tapete; como corrupção e violação de direitos, praticados por aqueles que não usam fardas.
A pressão existe, e a Presidenta Dilma tenta se colocar do lado da razão numa atitude singela que mais beira a um eufemismo descarado.
Mas minha preocupação não é nem tanto com a condenação ou não dos velhinhos que torturaram, mataram e esconderam o passado nas suas missões de salvaguardar os interesses da pátria amada. A minha preocupação é quanto aos outros crimes, praticados por mandatários paisanos que se julgam, ou se julgaram, acima do bem e do mal. São eles os criminosos que mais me preocupam. E seus crimes são tão perturbadores como um “pau-de-arara” ou a “cadeira do dragão”.
Nas palavras de Roberto Damata, esconder os problemas do passado é privar a sociedade do desenvolvimento social. É o triste destino de se conviver com cânceres como, José Sarney e Fernando Collor:

“Pois para José Sarney, como para Fernando Collor, soltar alguns documentos da sua prisão dos anais do poder abre feridas. E como um dos donos do poder à brasileira, ele invoca uma teoria de inspiração eugenista (que tem sido a base reacionária para justificar o nosso racismo) para mais uma vez tentar impedir o fim da conversa de um Brasil dos patrões e barões (que sussurra segredos) com o Brasilzão igualitário que exige todos os diálogos. Não apenas para tentar botar na cadeia os que usam cargos públicos para reencarnar baronatos, mas para ter uma maior compreensão dos seus caminhos. Para ver o que se esconde debaixo do tapete.”

Muita coisa ainda estar por vir. A Presidenta tentará colocar panos quentes na questão, ou, um novo escândalo em seu governo abafará, momentaneamente, o caso. Mas uma coisa é inevitável, mais cedo ou mais tarde, virão à tona as práticas de nossos antigos generais, mais benefícios aos perseguidos políticos serão concedidos e, fatalmente, o triste passado militar será, finalmente, desmistificado. Resta saber se os vampiros do presente terão, também, suas vidas escancaradas, como uma ferida pútrida que clama por higiene.

(Por Franco Aldo – 22/06/2011 – 08:53hs)

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